Pouco ainda se sabe e se fala, por razões bem óbvias, da ligação do grande empresariado nacional com o regime militar. Contudo, é um fato real que o golpe de 1964 foi um golpe civil-militar, com forte suporte financeiro das elites industriais do país. Muitos empresários não somente apoiaram o golpe, mas também financiaram com grandes somas de dinheiro a repressão e a tortura. O caso mais conhecido é o da financiamento, por empresas paulistas, da Operação Bandeirantes (OBAN), criada em 1969 pelas forças armadas, em conjunto com as polícias civil e militar, para enfrentar a crescente resistência ao regime.
A partir da implantação da OBAN, a ditadura aumentou, de forma sistemática e coordenada, a repressão e a tortura, causando a morte de várias pessoas que resistiam ao regime por meios armados ou não. Não somente dinheiro do empresariado nacional foi utilizado para aparelhar a OBAN, mas também de empresas multinacionais, como as automobilísticas FORD e General Motors. O temor do empresariado às possíveis reformas sociais prometidas pelo governo Goulart e apoiadas pela mobilização popular, na época vistas pelo próprio empresariado como “sindicalização do governo”, foi o fator central na articulação civil-militar do golpe. No decorrer dos anos de ditadura, tanto empresas nacionais quanto internacionais se beneficiaram da política econômica de "desenvolvimento" do regime. Os laços entre os generais e parte considerável do grande empresariado, sobretudo nos anos mais violentos do regime, eram tão grandes, que até o Ministro da Fazenda entre 1967 e 1974 (nos governos Costa e Silva e Médici), Delfim Neto, foi muitas vezes encarregado de lembrar o empresariado da importância do seu apoio financeiro à repressão.
O empresariado nacional financiou fortemente o golpe e a tortura. De maneira que pensar nos 20 anos de total repressão aos direitos civis e políticos, sistemáticas prisões, torturas, assassinatos, etc., como duas décadas de um regime apenas militar, sem uma participação deliberada de parte da burguesia, quando não inocente, é querer simplificar os fatos da nossa história política recente e forjar uma narrativa que exime de responsabilidade direta arquitetos centrais do golpe.
Se nem sequer no Brasil ainda se tem acesso público aos documentos das forças armadas no período, e tampouco um único torturado foi punido, imaginem quão distantes estão de terem que prestar contas à sociedade empresários e empresas que financiaram o regime, muitos dois quais ainda em atividade e influenciando os rumos políticos e econômicos do país. Se muitos dos torturadores ainda não têm nome nem rosto, quanto menos esses empresários, que equiparam a tortura, mas não sujaram suas mãos com sangue.
Se nem sequer no Brasil ainda se tem acesso público aos documentos das forças armadas no período, e tampouco um único torturado foi punido, imaginem quão distantes estão de terem que prestar contas à sociedade empresários e empresas que financiaram o regime, muitos dois quais ainda em atividade e influenciando os rumos políticos e econômicos do país. Se muitos dos torturadores ainda não têm nome nem rosto, quanto menos esses empresários, que equiparam a tortura, mas não sujaram suas mãos com sangue.
Os ataques das elites dirigentes ao 3 Plano Nacional dos Direitos Humanos (PNDH), produto de ampla discussão do Estado com a sociedade civil organizada e movimentos sociais, que propõe a criação de um comissão para averiguar os crimes cometidos pelo regime, e tornar muito do que está encoberto público, tem suas razões. E elas são nítidas. Nomes aparecerão, e personagens e empresas influentes contarão em alguma lista.
As elites brasileiras vão muito bem com a desmemória coletiva a respeito dos anos de chumbo, já que a anistia concedeu a liberdade de muitos continuarem impunes e influenciando os rumos do país. Ainda temos uma longa caminhada na luta contra o esquecimento deliberado que as elites, junto com os órgãos de mídia que elas mesmas controlam, alguns dos quais existem desde o regime, querem perpetuar. Um esquecimento que se traduz em impunidade e, por consequência, em repetição, com uma máscara democrática, de velhos hábitos. O silêncio imposto sempre foi uma grande arma das elites. E hoje a desinformação produzida pela mídia oligárquica, travestida de porta-voz do direito de voz, está comprometida com esse apagamento e distorção do que foi o regime e como ele foi arquitetado. Não é por coincidência que para a Folha de São Paulo a ditadura militar tenha parecido tão branda. O mesmo jornal emprestava seus carros para a OBAN usar como disfarce nas suas operações de captura e assassinato de membros da resistência.
A sociedade civil organizada e os movimentos sociais, todavia, cada vez mais têm demonstrado que querem ver os crimes da ditadura averiguados pelo Estado, os nomes dos torturadores e seus apadrinhadores publicados e a realização de seus julgamentos . Está muito claro o forte conteúdo de classe nessa oposição das elites a que se mexa no passado. E não tenham dúvidas de que quanto maior for a pressão da sociedade para que os responsaveis diretos pela tortura não fiquem impunes, maior será a contraofensiva das elites, pois o que está em jogo não é somente a memória, mas também as consequências da verdade tornada pública.
Por isso que se a sociedade brasileira conseguir que se torne público e que se punam os crimes da ditadura, será uma prova concreta da força da sociedade civil organizada no Brasil atual, e um prenúncio de novas conquistas que estarão por vir.