segunda-feira, 19 de março de 2012

Pinheirinho: o Estado salvaguarda a propriedade.


As remoções no Brasil de populações de periferias, favelas, ocupações, comunidades ribeirinhas tradicionais, etc., é um processo cuja tendência será de intensificação ainda mais nos próximos anos. A política econômica neodesenvolvimentista do Estado Brasileiro, mais as grandes obras associadas direta e indiretamente aos megaeventos que ocorrerão nos próximos anos (Olimpíadas e Copa do Mundo), aquece a especulação imobiliária e impulsiona o processo de competição pela apropriação privada do território.

Esse processo não pode ser compreendido sem se atentar para o papel central do Estado brasileiro no seu fomento. O caso de Pinheirinho é, sem dúvida, paradigmática. E não somente por ter ocorrido no estado economicamente mais forte do país, tornando mais midiático um fenômeno que já vem ocorrendo em outras regiões, impulsionado nelas principalmente pelo governo federal. Mas por ser também um exemplo bem claro de como o Estado, por meio do seu aparato jurídico e repressor foi mobilizado para defender a propriedade privada de um megaespeculador que deve milhões para o Estado em impostos não pagos e já foi preso por especular na bolsa consigo mesmo (Naji Nahas emprestava dinheiro de bancos para comprar grandes quantidades ações usando contas correntes de diversas empresas que controlava, para induzir outros investidores a fazem o mesmo, aumentando artificialmente os preços acusado de criar empresas de fachadas), o que resultou numa condenação de 24 anos, revertida, claro, em instancias jurídicas superiores. Além disso, Naji Nahas é conhecido por criar, através de laranjas, empresas que compram suas dívidas com as empresas credoras; as empresas de fachada oferecem a compra imediata da dívida, mas por um preço abaixo do valor real do débito; ou seja, Nahas reduz o valor de suas dívidas tornando-se credor de si mesmo.

          Nove mil moradores, que apesar da completa ausência do Estado, construíram suas moradias e toda a infraestrutura de um bairro (rede de esgoto, ruas, rede elétrica, etc), e que por isso para ter suas casas regularizadas seria para o Estado um custo ínfimo, são removidos violentamente, com casos claros de violações de direitos humanos, para salvar a propriedade privada de um megaespeculador que responde a processos de várias ordens. Polícia e sistema jurídico de plantão para fazer valer a lei da propriedade privada independentemente de quem seja o detentor da propriedade.

Pinheirinho, mais uma vez, mostra que o Estado brasileiro continua sendo condição necessária para fazer valer incondicionalmente a lei da propriedade privada, mesmo que para isso seja preciso até mesmo destruir as condições básicas para que os explorados possam reproduzir minimamente a sua força de trabalho: moradia.

         O caso de Pinheirinho não é uma violação que deve ser reduzida a uma questão de governo: teria ocorrido porque São Paulo é governado pelo PSDB . Pode ser que se o PT estivesse governando São Paulo não teria ao menos ocorrido a remoção com o grau de barbaridade que foi. Contudo, esse modelo de remoção incondicional vem sendo aplicado pelo governo federal em vários locais do país, e em alguns locais com o mesmo grau de violência. A violência, sobretudo da polícia federal, na Bahia com o povo indígena tupinambá, por exemplo, continua e a sua razão é a mesma: a questão fundiária.

A remoção de favelas, comunidades ribeirinhas, povos originários vem ocorrendo com total consentimento do governo federal, e é a expressão de um modelo de desenvolvimento econômico impulsionado e defendido pelo próprio PT, e por parte significativa da intelectualidade de esquerda. A lógica de desenvolver a todo custo, e que o desenvolvimento trará necessariamente distribuição de renda, sem que seja necessário alterar no seu fundamento as causas históricas da desigualdade social brasileira, como a questão fundiária, é o projeto posto em prática pelo governo petista.

O que ideologicamente e na prática não se distingue muito do projeto dos militares. No caso da questão fundiária, inclusive, o projeto “de modernização conservadora” dos militares, de modernizar tecnologicamente a agricultura mantendo o latifúndio, encontrou sua consolidação definitiva no governo petista, que não somente assentou menos do que durante a ditadura, mas que fortaleceu de vez o agronegócio, tornando-o ainda mais central para a economia nacional, o que se materializa na dependência do país em relação às exportações de commodities agrícolas para uma balança comercial positiva. Não é por acaso que o arquiteto da “modernização conservadora”, Delfin Neto, ministro da Fazenda e depois da Agricultura durante a ditadura, tece sempre elogios à política econômica do governo petista e é colunista da principal revista governista de tiragem nacional.  

       Com a aproximação dos megaeventos, as remoções aumentarão ainda mais, e a violência de Estado recrudescerá, escancarando ainda mais a centralidade da questão territorial na luta de classe no Brasil.

  A criminalização dos movimentos sociais, com a repressão sistemática e imediata de qualquer manifestação de rua, impedindo que os setores populares organizados levem as suas demandas para as ruas, ocupando o espaço público, que é um direito constitucional, não deixa dúvidas de que estamos vivendo sob um estado de exceção, e que garantias constitucionais conquistadas com muita luta e resistência dos trabalhadores são simplesmente desprezadas pela própria entidade que, no marco da democracia capitalista, deveria garanti-las.

               A política urbana nas grandes cidades tem sido de expulsão sistemática  dos pobres dos espaços, de “higienização” dos centros e áreas de interesse imobiliário, elitizando e privatizando os espaços públicos. Incêndios criminosos de favelas, expulsão por elevamento dos aluguéis em uma região de interesse, remoções a força pelos aparatos de repressão aumentam a cada dia nas grandes cidades.

A violência que ocorreu em Pinheirinho está em total acordo com o projeto de desenvolvimento que vem sendo implementado, tendo no aumento do preço da terra, quer no campo quer na cidade, uma condição necessária.

O interesse do Estado e empresas por regiões ainda não exploradas, sobretudo as periferias das grandes cidades, onde se concentra a maioria da população brasileira excluída desse desenvolvimento, é o sinal mais evidente de que esse projeto está em franca ascensão, uma vez que o aumento da disputa pela apropriação privada do espaço é indicador de uma economia capitalista aquecida e em expansão.

A intervenção direta do Estado brasileiro na remoção de populações inteiras de seus lares para garantir o bom andamento da especulação imobiliária já é, sem dúvida, o principal problema posto para os movimentos populares das cidades brasileiras. E nos próximos anos será o terreno onde a luta de classes no Brasil estará mais acentuada. O impasse para os movimentos urbanos está posto. Resta saber se os movimentos serão capazes de se articular e consolidar uma frente nacional de resistência capaz de enfrentar um projeto de reprodução do capitalismo que o governo federal já definiu e para cuja realização mobilizará o que for necessário.

Por isso fica a pergunta: será Pinheirinho  um anúncio claro do que está por vir?