A sanitização das imagens de guerra tem sido uma preocupação dos governos que empreendem a guerra. Se o público tivesse acesso de fato às imagens e relatos das atrocidades que ocorrem com civis, sobretudo crianças e mulheres, os governos sabem que grande parte do apoio que recebem de sua população seria perdido. E não somente acesso a imagens de morte e destruição, que são algumas das inevitáveis consequências desumanizadoras mais impactantes da guerra, mas também o acesso aos relatos de civis que, no seu dia-a-dia, sofrem diretamente os efeitos da barbárie da guerra e da ocupação estrangeira.
Na atual guerra do Iraque, que completa 7 anos, quais redes de TV, exceto algumas árabes, dão voz e visibilidade ao depoimento daqueles que verdadeiramente sofrem com a ocupação da coalizão guiada pelo Estados Unidos? Somado ao fato de que quando imagens nos chegam elas são "purificadas", editadas para o telespectador digeri-las sem mal-estar na sua sala de TV, há a dificuldade - na verdade a atual impossibilidade - que os jornalistas estrangeiros, em função da violência cada vez mais crescente no pais, e dos riscos de sequestros e assassinatos, estão tendo de, por exemplo, entrar na conhecida área vermelha, que é a área não militarizada pela força de ocupação, e que é onde vive a população da capital Bagdá. A maioria dos jornalistas ficam na zona verde, região onde está o antigo palácio do governo de Saddam, e onde as embaixadas estadunidenses e britânicas estão instaladas, assim como bases militares e bases de empresas privadas militares e de logística contratadas pelos países ocupantes, em uma guerra que é a mais privatizada de todas as guerras da história contemporânea.
Evidentemente que para receberem proteção os jornalistas que estão na zona verde sofrem um controle sobre o que podem reportar e somente recebem as informações que as forças de ocupação decidem transmitir. A maioria dos jornalistas sequer saem dessa fortaleza amplamente militarizada, e quando saem são escoltados por soldados ou mercenários fortemente armados que os levam, em carros blindados, a um "passeio" fora da fortaleza. E claro que os textos e imagens que nos chegam da guerra do Iraque, são aqueles produzidos por esse jornalistas, na sua maioria são funcionários das grandes redes de jornalismo mundial.
Hoje, para ter acessa ao que ocorre para além dos portões da zona verde, somente através de informações tanto de jornalistas profissionais iraquianos quanto de cidadãos comuns que decidiram relatar em blogs a vida sob a ocupação. Esses iraquianos sofrem riscos de vida todos os dias, pois, uma vez que não estão comprometidos nem com as forças insurgentes e tampouco com as forças de ocupação, não recebem nenhuma forma de proteção e são alvos a todo momento.
Sanitizar a guerra é uma estratégia dos governos, mas as grandes redes de jornalismo dos países ocupantes cumprem um papel central para essa higienização do horror. O que é, para o jornalismo da grande mídia dos países ocupantes, mais uma criança iraquiana que morre por ausência de medicamentos básicos, num hospital onde nem seringas existem, ou de uma pai que é assassinado por um soldado ocupante a caminho da casa de sua mãe, ou de parentes e amigos coletando o que restou dos corpos de conhecidos por ocasião de um carro bomba que explodiu em uma rua movimentada? A morte não noticiada de um iraquiano, pobre, antes privado de qualquer direito e liberdade, é o último estágio de um esquecimento imposto. Mostrar tais realidades, tão cotidianas hoje no Iraque, seria por em xeque a falsa legitimidade da guerra feita pelos governos ocupantes e apresentada, senão como justa, então como mal necessário, pelas mídias corporativas desses países. Essas mesmas mídias que fabricaram, junto a seus governos, as razões que justificaram a invasão, sem dúvida não estarão comprometidas com o povo iraquiano.
Nas guerras televisivas do final do século XX e começo do XXI, de imagens que fabricam a mentira de supostos "bombardeios cirúrgicos", com o "mínimo de efeitos colaterais" (termos que enojam pela frieza de sua dissimulação e pelo significado implícito que escondem), o que interessa é a ação dos primeiros dias de invasão, o espetáculo da derrubada de um regime, o roteiro de ação. A população são números contabilizados, que, na maioria das vezes, não são nem os números reais.
Mas muitos iraquianos sabem, melhor do que ninguém, que, sob o horror e o sofrimento de viver sob essa ocupação militar imperialista, quando ouvidos, é porque muito fizeram para resistir ao silêncio imposto. Resistência que tem sido feita tanto pelas armas, quanto pelo testemunho pessoal da tragédia através da internet ( http://aliveinbaghdad.org/), sem a filtragem e manipulação das imagens por parte das redes de TV ocidentais.