sábado, 22 de maio de 2010

O Irã: bode expiatório da questão das armas nucleares.

Enquanto o Irã, em função do seu programa de enriquecimento de urânio, é apresentado pelo governo dos Estados Unidos como uma ameaça à "paz" mundial, países que realmente possuem armas nucleares, como Israel, Paquistão e Índia, definitivamente não sofrem a mesma pressão. Esses três países não são signatários do TNP (Tratado de Não proliferação de Armas Nucleares), ratificado em 25 de março de 1970, e Israel sempre se recusou a autorizar a realização de inspeções aos seus sistemas nucleares, atitude que nunca recebeu críticas por parte de Washington, dado que Israel é seu principal aliado na região. Se de fato a preocupação fosse com a ameaça que é países possuírem ou buscarem possuir tecnologia nuclear para fins militares, e a insegurança geopolítica que disso decorre, o principal perigo, no caso do Oriente Médio, seria Israel, único país na região que possui armas nucleares, e o país que mais tem empreendido incursões militares contra seus vizinhos. A única incursão agressiva do Irã fora de suas fronteiras foi durante o governo do Xá na década de 1970, quando, com apoio dos Estados Unidos (vale lembra que este governo ascendeu ao poder por um golpe de Estado com apoio de Washington nos anos 50, que derrubou um governo laico democraticamente eleito), invadiu duas ilhas árabes(http://www.cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=16537 ).
A questão também não é o fato de o regime atual no Irã ser abominável, ter fraudado as últimas eleições, etc. Em matéria de violação de Direitos Humanos e regimes ditatoriais, a Arábia Saudita e o Egito de longe superam o Irã, mas nem por isso recebem a mesma atenção, e a razão disso é clara: são aliados estratégicos dos EUA. Toda vezes em que a ONU tentou aprovar uma resolução que exigisse que Israel assinasse o TNP e permitisse as inspeções da AIEA (Agência Internacional de Energia Atômica), os EUA, por meu do seu poder de veto no Conselho de Segurança, bloqueou a resolução.
Não tirando a importância e a legitimidade do TNP como acordo de valor internacional que contribui, por um lado, para o controle do desenvolvimento de tecnologia nuclear para fins militares e, por outro, para a ampliação de zonas desnuclearizadas, é certo que ele é usado também como um dispositivo que assegura o monopólio dessa tecnologia pelos países que a possuem. Ninguém tem dúvida que possuir tecnologia militar nuclear é um grande instrumento de poder. Se há algum país que deve temer alguém é o próprio Irã, que se vê cercado pela presença militar norte-americana por todos os lados: a oeste, o Iraque ocupado e, a leste, o Afeganistão. As ameaças com palavras do governo dos EUA, inclusive de uma possível invasão, somente tendem a aumentar a insegurança do Irã, o que leva seus líderes a cada vez mais acreditarem ser indispensável o desenvolvimento de armas nucleares para impedir a invasão do país. Que outro meio, senão armas nucleares podem barrar os Estados Unidos quando ele decide invadir um país? De fato, ninguém deseja que o Irã ou qualquer outro país possuam armas nucleares, mas um olhar mais objetivo sobre toda a querela atual e a pressão sobre o Irã mostra a hipocrisia dessa propaganda que tenta demonizar esse país. Já sabemos que para justificar a invasão do Iraque os EUA, com apoio da sua mídia, e parte da mídia internacional, forjou a mentira de que Saddam possuía armas nucleares, quando o que o Iraque tinha de mais moderno em termos militares eram tanques vendidos ao país pelo Brasil na década de 80.



Verdadeiros Objetivos

Se a intenção fosse de fato desmilitarizar o máximo possível o mundo, os Estados Unidos, por exemplo, deveria começar pela sua própria casa. O orçamento militar, mesmo na atual crise econômica, dos EUA é maior, pasmem, que a soma do orçamento militar de todos os países do mundo juntos. Obama também acabou de autorizar o Congresso norte-americano a ampliar o orçamento militar. Uma das primeiras medidas de Obama quando assumiu o poder, foi a de intensificar a guerra no Afeganistão, aumentando em mais de 30 mil o número de soldados na região, e estendendo a guerra para além das fronteiras afegãs, com incursões militares em solo paquistanês. Assim, qual país seria mais perigoso para a paz mundial: os EUA, que estende uma guerra a um país que não somente detém armas nucleares cuja tecnologia para o seu desenvolvimento foi transferida a ele pelo próprio EUA, mas que também está há décadas em guerra com o seu vizinho, a Índia, que também possui armas nucleares? Ou um país como o Irã, que até o presente momento tem procurado desenvolver tecnologia de enriquecimento de urânio? E isso não é tudo. Em 2006, os EUA assinaram com a Índia, país que além de possuir armas nucleares e estar em guerra com seu vizinho jamais assinou o TNP, um acordo de cooperação nuclear. Isso mesmo. E pergunto ao leitor: alguma vez Washington cogitou em exigir que a ONU aplicasse sanções econômicas contra a Índia, como tem feito em relação ao Irã?
Em vista de tudo isso, não podemos deixar de pensar que os Estados Unidos estejam preparando o terreno para a sua próxima incursão militar, embora esteja atolado em duas guerras sem previsões de acabar e apesar da crise econômica. A invasão do Irã concretizaria um objetivo de controlar as principais fontes de petróleo: Arábia Saudita, aliado econômico de longo tempo, e Iraque e Irã, ambos pela força. Mas creio que, no caso do Irã, as coisas parecem mais difíceis, pois o país tem como principal parceiro econômico a China, de maneira que o impacto e importância global de uma possível invasão do Irã é maior; além do mais, o Irã é um país de 60 milhões de habitantes. Ao menos a China, como membro permanente, pode vetar a autorização de uma guerra pelo Conselho de Segurança. Contudo, como ficou evidenciado mais uma vez no caso do Iraque, os EUA não costumam levam muito a sério a legitimidade do Conselho de Segurança quando ele se torna um entrave aos seus objetivos econômicos e geopolíticos.



O Brasil em cena

Ao contrário do que a grande mídia brasileira tem forjado a respeito do papel diplomático que o Brasil, junto à Turquia, tem exercido como intermediador entre o Irã e os países que fazem coro à pressão dos EUA, tanto o Brasil quanto a Turquia, ou qualquer outro países que estivesse no lugar deles, estão desempenhando, como países soberanos, um papel importante para que haja um equilíbrio de forças na esfera diplomática. E é prova de que parte significativa da comunidade internacional vê como legítimo o direito de o Irã enriquecer urânio para pesquisas de fins pacíficos, como a geração de energia e desenvolvimentos de tecnologia na area médica. Esse contraponto também pode contribuir para barrar as tentativas de estrangular economicamente o Irã por meio de sanções. O acordo assinado pelo Irã segunda-feira última, intermediado por Brasil e Turquia, segundo o qual o Irã se compromete a transportar parte do seu urânio de baixo enriquecimento para ser armazenado na Turquia, em troca de combustível nuclear para pesquisas na área médica, pode ser muito positivo para a salvaguarda da soberania do Estado iraniano, sob ameaça constante por parte da maior potência militar do mundo. Mais detalhadamente, o acordo obriga o Irã a enviar 1.2 toneladas de urânio, o que é aproximadamente metade do que ele possui, para a Turquia, sob supervisão da AIEA, a partir do mês que vem. Em troca, o Irã receberá, dentro de um ano, 120kg de combustível altamente enriquecido dos países do grupo de Viena (dentre eles, EUA, Rússia e França).
Embora os EUA tenha sido um dos incentivadores dessa proposta, assim que o acordo foi efetivado Washington declarou ceticismo em relação a sua eficácia. O que prova que os interesses estadunidenses de pressão sobre o Irã não se reduzem à questão nuclear. No site da revista on-line Carta Maior, saiu trecho de uma carta que Obama enviou ao presidente Lula aproximadamente duas semanas atrás, na qual ele demonstra estar de total acordo com a proposta e ciente da sua importância. No entanto, assim que ela se tornou uma realidade, o presidente norte-americano anunciou publicamente a sua descrença em relação ao acordo e manteve as exigências de novos sanções ao Irã.
Os desdobramentos dessa pressão podem ser muito negativos para a paz no Oriente Médio, e só tendem a provocar mais instabilidade na região, sempre sob a discurso falacioso de que a preocupação é justamente a “estabilidade” internacional.



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