Em 7 de maio, os líderes dos países membros da União Européia, com apoio do FMI (Fundo Monetário Internacional), aprovaram um pacote de ajuda de 110.000 bilhões de euros para a Grécia, país europeu que mais tem sofrido com a crise, estando inclusive sub ameaça de falência. O débito grego atingiu mais de 13% do PIB no ano passado e a taxa de desemprego subiu para 12,1% em fevereiro último, o que significa que em um país com uma população de 10,5 milhões de habitantes, e apenas 4,9 milhões de pessoas economicamente ativas, 605 mil trabalhadores estão desempregados. Como de se esperar, este empréstimo - 80 milhões de euros a cargo dos países da zona européia e 30 a cargo do FMI - somente foi aprovado porque a o governo grego se comprometeu a cumprir as metas de austeridade fiscal impostas como condição para o empréstimo. Os congressistas gregos votaram a favor da aprovação (172 votos contra 121) do corte do salário do setor público em 10%, das pensões (públicas e privadas) em 14%, e claro, aumento nos impostos.
Novamente é a população que deverá arcar com o ônus. E o Estado, bem, sempre a mesma solução neoliberal: menos Estado. Com a possibilidade de que a crise do débito se estenda para outros países da União Européia, primeiramente atingindo os mais fracos, como Espanha e Portugal, o que afetará fortemente o euro, os líderes dos principais países, como a Alemanha, que arcará com 1/3 do empréstimo, foram rápidos para justificar a suas populações a necessidade desse pacote de ajuda. A chanceler alemã, Angela Merkel, afirmou que o futuro da União Européia está em jogo, e que o parlamento alemão deveria aprovar o mais rápido possível o empréstimo ( http://www.rferl.org/articleprintview/2033134.html ).
Além do pacote grego, dia 10 de maio foi anunciado pela União Européia um outro pacote de empréstimo e garantias, também com apoio do FMI. O pacote será de aproximadamente 750 bilhões de euros, e será um fundo para um plano de três anos de "estabilização" econômica da União Européia, com os 16 países membros responsáveis pelo empréstimo de 440 bilhões para os países mais endividados - Grécia, Espanha, Itália, Irlanda, etc. 60 billões ficará a cargo da Comissão Européia, e o restante, 250 bilhões será fornecido pelo FMI.
Está bem, este é o cenário das medidas econômicas para “acalmar” o mercado e tentar ao menos estancar uma crise cujo primeiro grande efeito tem sido a ameaça de falência de um estado europeu e a possibilidade de adquirir um efeito dominó, atingindo do mesmo modo outros estados.
No entanto, e a população, fortemente afetada pela crise? Na Grécia, desde o ano passado, tem havido fortes e numerosos protestos, greves, boicotes e confrontos com a polícia. A morte, pela polícia, de um jovem em 2008, foi apenas a faísca que desencadeou mobilizações em todo o país, sobretudo na capital Atenas, contra o atual governo do primeiro ministro George Papandreou, mas que é a expressão de uma insatisfação com as medidas político-econômicas de sucessivos governos que, um após o outro, vêm aprofundando medidas neoliberais e aumentando o desemprego. O último plano de austeridade fiscal, votado em 7 de maio, consiste num plano mais drástico de enxugamento do Estado, ao modo do que Naomi Klein chama de doutrina do chock, que não é senão levar a cabo medidas neoliberais que, em momentos mais estáveis, seriam difíceis de ser aprovadas e implementadas com tanta rapidez. Entre os protestantes nas ruas das principais cidades gregas, estão estudantes, desempregados, movimentos sociais, sindicatos, etc., ou seja, parte significativa da sociedade civil, que se vê tendo que arcar com o ônus de uma crise desencadeada pela especulação financeira, por um sistema que se sustenta, independentemente do país, sobre débito crescente e desemprego estrutural, e que, quando necessário, como saídas para crises, usa o Estado como um meio para punir a população pelo o que ela não cometeu. A repressão tem aumentado à proporção que as manifestações crescem. Os confrontos têm ocorrido principalmente nas ruas dos centros das grandes cidades e na frente do parlamento em Atenas, como quando da votação de cortes com os gastos públicos. Tal cenário só tende a se agravar, e o Estado grego já está exercendo a principal função que se espera de um Estado, sobretudo em momentos de crise, em uma economia neoliberal: repressão policial sobre a população insatisfeita, controle social mediante o uso direto da força.
Diante do contexto grego, em particular, e da União Européia, em geral, qual direção a relação entre capital e trabalho está tomando na Europa? Seria a Grécia a primeira evidência do que está por vir?
Não acredito em grandes previsões, pois a dinamicidade da história não permite tal ingenuidade, mas uma coisa é certa, e isso é o que está ocorrendo: o que sempre foi uma exigência feita pelos países desenvolvidos e suas organizações financeiras para o emprétimo de dinheiro aos países em desenvolvimento, a saber, o enxugamento do Estado, princípio central da implementação do neoliberalismo nos países periféricos, está se tornando cada vez mais um “universal categórico” para os próprios países que estiveram na dianteira da ordem global que gerou a crise atual. Se o primeiro país europeu, na atual crise, a receber uma soma considerével de empréstimo teve que tomar as mediadas de reajuste estrutural de que falei, o mesmo pode se esperar dos outros países que venham a receber empréstimos. Começando pelos mais fracos evidentemente.
Quando muitos acreditavam que a crise atual estava pondo em cheque 30 anos do dogmatismo neoliberal, e até mesmo trazendo à tona novamente discursos keynesianos, o que estamos vendo na prática é um aprofundamento das políticas econômicas neoliberais em solo europeu. As palavras de Olli Rehn, o comissário europeu para questões monetárias e econômicas, não deixam dúvidas quanto a isso: “...os esforços fiscais dos estados membros da União Européia, a assistência financeira realizada pela comissão e estados membros, e as ações tomadas pelo Banco Central Europeu, provam que devemos defender o euro – seja o que for preciso”
Se já bem antes da crise, benefícios à população assegurados pelo capitalismo de Estado dos governos social-democratas (o que ficou conhecido por Estado de bem-estar social) já vinham sendo progressivamente eliminados, com essa crise parece que o que até então havia restado das conquistas do pós-guerra está nos seus últimos dias. Essa crise veio para acabar definitivamente com o que ainda sobrava do capitalismo de bem-estar social. A resposta dos próprios estados a atual crise está consistindo na concretização "definitiva" do neoliberalismo.
Em contrapartida, qual será a resposta dos trabalhadores dos outros países europeus à mediada que verem em seus países o mesmo ataque tão forte ao Estado e ao trabalho que estamos vendo na Grécia? As populações desses países mostrarão a mesma insatisfação grega? O cenário fortificará a relação entre os movimentos sociais, os trabalhadores? Será condição para uma maior internacionalização, em solo europeu, da luta contra o neoliberalismo e anti-capitalista? Ou veremos um crescimento de discursos de extrema direita, mais conflitos étnicos, xenofobia, cujos resultados são o aumento do sectarismo e da violência da população contra si mesma?
Como todo momento crítico, as respostas para ele podem ser plurais, mas as atitudes de união que a população grega vem tomando podem não apenas servir de exemplo da consciência que o inimigo não é o seu vizinho, mas também um prenúncio de um ressurgimento de um forte conflito entre capital e trabalho nos países europeus. Os desdobramentos da mobilização popular na Grécia, que continua cada vez mais forte, apenas começaram, e ainda não sabemos se a violência do Estado acabará por conter a insatisfação, ou se, no país onde se criou a democracia, os excluídos da Pólis, que agora são os próprios gregos, conseguirão fortalecer-se e inspirar seus vizinhos na luta por uma democracia um pouco mais universal.
Olá Michel.
ResponderExcluirÉ engraçado como essa relação capital-trabalho
não parece que vai favorecer tanto o aumento do consumo, condição chave para fortalecer o neo-liberalismo. Será que essa grana vai ser direcionada ao crédito oferecido à população em seu poder de compra? Se, sim, ela paga a conta duas vezes: cortes e juros (realmente, o superávit primário vai ter de sair de algum lugar como já definiram). O movimento da economia pelo aumento da dívida interna é uma dupla perversão sobre a população: o cavalo corre atrás da cenoura pendurada à sua frente... e corre sozinho (giro de capital pela dívida e individualização do desejo). Mas nesse meio tempo (repressão dos movimentos organizados e preparação do campo para o consumo)a insatisfação pode gerar outras maneiras de viver em tempo de crise, prolongadas para os tempos de estabilização (racionalização prolongada do consumo e esfera pública fortificada).
Bacana teu Blog.
Tou acompanhando.
abraço,
Arthur do Carmo.