O ataque militar israelense em mares internacionais ao comboio de ativistas de várias nacionalidades que levavam ajuda humanitária aos moradores de Gaza revela novamente a displicência do Estado de Israel em relação a tratados internacionais humanitários e a resoluções das Nações Unidas. Obviamente que uma frota cujos conteúdos eram comida, água, suprimentos médicos e materiais de construção não podem ser uma ameaça a um Estado que possui o 5º exército mais bem aparelhado do mundo. O argumento de Israel de que os soldados que invadiram os navios foram agredidos pelos ativistas e que essa foi a causa do conflito que levou à morte de 9 ativistas e à detenção de aproximadamente 660 tripulantes é expressão da ausência de argumentos em face dos fatos. A verdade é que o bloqueio ilegal de Gaza e os controles do seu espaço aéreo e marítimo, o que significa controle total do que pode e não pode entrar no território, tem sido o método do Estado de Israel para punir coletivamente os aproximadamente 1.5 milhões de palestinos que vivem na Faixa de Gaza. Desde 2005, quando Israel "desocupou" militarmente a região, Gaza está cercada por todos os lados e o governo de Israel controla tudo o que entra e sai, inclusive o direito dos seus moradores deixarem e voltarem ao território. Até mesmo o Egito, afora Israel, único país que faz fronteira com Gaza, mantinha sua fronteira fechada até o dia 31 de maio, então aberta em decorrência do ataque ao comboio de ativistas.
Esse cerco é ilegal, sendo reprovado até pelo Conselho de Segurança da ONU, na resolução 1860, que o reconhece como um cerco que pune coletivamente os moradores de Gaza. A resolução exige o "desimpedimento das provisões e a distribuição de assistência humanitária em todo o território de Gaza, incluindo comida, combustível e tratamento médico" (http://www.zcommunications.org/rogue-state-politics-erasing-international-law-in-israel-s-attack-on-gaza-by-anthony-dimaggio ). Com a eleição do Hamas em 2007, o bloqueio tem se intensificado, tornando a vida dos moradores de Gaza ainda mais difícil.
Gaza em dados
Para se ter uma ideia de quão insustentável tem se tornado as condições de vida no território, aqui vão alguns dados (http://english.pnn.ps/index.php?option=com_content&task=view&id=8283&Itemid=58 ):
1) em Gaza 8 em cada 10 moradores dependem de ajuda humanitária para sobreviverem;
(2) Gaza precisa, diariamente, de aproximadamente 400 caminhões para suprir as condições nutricionais básicas dos seus moradores. Contudo, Israel tem permitido a entrada de em média 170 caminhões por semana;
(2) Gaza precisa, diariamente, de aproximadamente 400 caminhões para suprir as condições nutricionais básicas dos seus moradores. Contudo, Israel tem permitido a entrada de em média 170 caminhões por semana;
3) recentemente, roupas que ficaram armazenadas no porto de Ashod por um ano foram entregues mofadas À população;
4) 95% da água em Gaza é considerada pela Organização Mundial da Saúde como imprópria para consumo;
5) 48% das crianças com menos de 5 anos estão anêmicas;
6) 75 milhões de litros de esgoto não tratado são despejados no mar Mediterrâneo todos os dias por falta de sistemas de canalização apropriados e materiais de reposição.
Durante os bombardeios de 2008-2009 - que Israel justificou como uma reação de represália ao fato de o Hamas ter "quebrado" o acordo de não agressão mútua lançando mísseis contra território israelense, quando, na verdade, foi Israel que não cumpriu o acordo uma vez que uma das condições fundamentais para sua consolidação era que Israel suspendesse o bloqueio -
7) mais de 120.000 trabalhos foram perdidos porque a já precária zona industrial de Gaza foi completamente destruída;
8) 15.000 casas e apartamentos foram afetados ou destruídos;
9) um terço das escolas foram destruídas. E o pior é que nada pode ser reconstruído, pois Israel não permite a entrada de materiais para construção.
Diante de dados como esses, que são apenas uma parte das evidências de como as condições mínimas para uma vida de “sobrevivência precária” têm sido negadas à população de Gaza, é claro que o argumento das autoridades de Israel de que o bloqueio tem por intuito evitar que armas sejam contrabandeadas para o Hamas e, portanto, combater o terrorismo contra o Estado de Israel, não se sustenta. O estrangulamento econômico de Gaza é parte de uma política que o Estado israelense vem, sobretudo na última década, intensificando de modo a tornar cada vez mais inviável a formação de um Estado palestino na Faixa de Gaza, Cisjordânia e Jerusalém Oriental. A intensificação da expansão das colônias judaicas na Cisjordânia, a construção, em curso, do muro de 400 quilômetros que não somente está separando palestinos de palestinos e palestinos de israelenses, mas também em vários pontos tomando mais territórios palestinos, os check points, nos quais os palestinos têm de apresentar documentação para adquirir permissão de locomoção, a prisão de ativistas palestinos como terroristas, etc., são também parte dessa política de apartheid da população palestina.
Os integrantes do batalhão Atlacatl, do exército salvadorenho - treinado e financiado pelos Estados Unidos - que, em 13 de dezembro de 1981, cometeu um dos maiores massacres da história recente da America Latina, quando todos os moradores do vilarejo de El Mozote, que ficava em território controlado pela guerrilha, foram assassinados com métodos cruéis, repetiam um jargão que era o seguinte: “secar o rio para evitar que os peixes crescam”. Guardadas as diferenças de tempo, território e nações, o bloqueio de Israel à Gaza parece se assemelhar em mentalidade: quanto mais inviável a vida em Gaza menor as chances de luta contra o controle de Israel sobre a vida dos palestinos e por um Estado palestino.
Os integrantes do batalhão Atlacatl, do exército salvadorenho - treinado e financiado pelos Estados Unidos - que, em 13 de dezembro de 1981, cometeu um dos maiores massacres da história recente da America Latina, quando todos os moradores do vilarejo de El Mozote, que ficava em território controlado pela guerrilha, foram assassinados com métodos cruéis, repetiam um jargão que era o seguinte: “secar o rio para evitar que os peixes crescam”. Guardadas as diferenças de tempo, território e nações, o bloqueio de Israel à Gaza parece se assemelhar em mentalidade: quanto mais inviável a vida em Gaza menor as chances de luta contra o controle de Israel sobre a vida dos palestinos e por um Estado palestino.
Até onde vão as justificativas
Um outro argumento das autoridades de Israel é que, enquanto o Hamas não reconhecer o direito à existência do Estado de Israel, as negociações a respeito da possibilidade da implantação de um Estado palestino continuarão estagnadas. Várias vezes o Hamas já propôs um cessar-fogo sob a condição de que Israel suspendesse o bloqueio, e embora Israel tenha muitas vezes efetivado o acordo, ele não o cumpriu. O reconhecimento do Estado de Israel será uma consequência do estabelecimento de negociações justas com as autoridades palestinas, incluindo o Hamas, e da implantação de um Estado palestino ao menos nos marcos de antes de 1967. Hoje é o Hamas o grupo palestino escolhido como inimigo número um pelo governo israelense, mas vale lembrar que nos anos 70 e 80 o inimigo era a OLP (Organização pela Libertação da Palestina) e seu principal lider Yasser Arafat e mais tarde o Fatah. Há evidências de que o Estado israelense apoiou financeiramente o Hamas quando do seu crescimento para fortalecê-lo como contraponto às outras organizações palestinas, de maneira a estimular a conflito entre suas lideranças e dificultar, assim, a unidade política entre os palestinos. Hoje o Hamas - que agora tem recebido ajuda financeira do Irã, para as autoridades israelenses a principal ameaça externo na região - é considerado o grande inimigo palestino e a Autoridade Palestina é que é apresentada como único representante do povo palestino com quem Israel se dispõe a negociar.
Tamanho desprezo de Israel às leis internacionais e a forte oposição da comunidade internacional ao bloqueio de Gaza, e de mentiras atrás de mentiras a que as autoridades israelenses recorrem para justificar a punição coletiva aos moradores de Gaza e dos outros territórios ocupados, somente perduram, sem maiores consequências para Israel, em parte porque o seu principal aliado é os Estados Unidos, que sempre bloqueia, no Conselho de Segurança, com o apoio de vários países europeus, qualquer tentativa de impor punições a Israel. O governo estadunidense não se opõe ao bloqueio e quando, como no caso do ataque ao comboio de ativistas no dia 31 de maio, Israel sofre forte represália da comunidade internacional, o governo estadunidense apenas solicita que o próprio governo israelense investigue as razões de um suposto erro nas ações militares. Como se o que ocorreu dia 31, por exemplo, não seja o resultado de medidas deliberadas, mas de falhas no comando. Os Estados Unidos, mais do que ninguém, sabe disso, e utiliza-se dessa retórica apenas para satisfazer as exigências do teatro diplomático. Washington sempre esteve com Israel, devido a sua importância estratégica para os interesses econômicos e geopolíticos do governo norteamericano. Seria ingenuidade esperar que com a Administração Obama - apesar de alguns pronunciamentos que tenham causado a impressão de serem mais ríspidos em relação ao comportamento de Israel - a relação EUA-Israel tomaria uma nova direção.
O bloqueio de Gaza - uma ação deliberada com o fim de intensificar o empobrecimento da população palestina na região como um meio de punição coletiva - viola vários artigos da Quarta Convenção de Genebra, que exige que os estados tomem, quando em guerra, todos os meios possíveis para protegerem não combatentes, proíbe qualquer ação que ameace vidas individuais e que civis sejam feitos reféns para propósitos políticos e militares. Mas fundamentalmente, essa punição coletiva através do cerco a Gaza fere a razão principal por trás das Convenções de Genebra e dos princípios legais nelas formulados: proibir que os estados se utilizem de punição coletiva contra civis em momentos de conflito. O agravante ainda de tudo isso, que torna mais gritante a violação de Israel à carta das Convenções de Genebra, é o fato de Israel não ser um Estado que esteja em guerra.
Apesar de a grande mídia internacional, reproduzindo o pensamento dominante na mídia estadunidense, jamais fazer fortes críticas ao comportamento ilegal do Estado de Israel, não expondo de fato as reais condições do povo palestino, a opinião internacional tem cada vez mais não se deixado iludir pelo silêncio deliberado em face das violações sistemáticas das leis internacionais praticadas por Israel, já que suas ações, como a morte dos 9 ativistas, tem cada vez mais se sobreposto ao discurso das suas autoridades. Também as redes de informações e notícias estabelecidas entre jornalistas, ativistas, movimentos sociais, mídias independentes têm sido um mecanismo de quebra do bloqueio do discurso hegemônico sobre o que ocorre nos territórios ocupados.
As ações de Israel têm cada vez mais contribuído para a insegurança da sua população, a instabilidade na região e a crescente oposição internacional. O ataque ao comboio humanitário em 31 de maio põe mais uma vez em evidência dois fatos inegáveis: o bloqueio à Gaza, ao não permitir a entrada de ajuda humanitária e com ela artigos de necessidade básica, está causando deliberadamente fome em massa no território; e a transformação em inimigo de Estado qualquer um que tente, de algum modo, amenizar o sofrimento da população palestina na Faixa de Gaza. Com essas medidas, o Estado israelense tende cada vez mais a ficar isolado e a ameaçar também a segurança dos seus próprios cidadãos.
Excelente análise.
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