sexta-feira, 11 de maio de 2012

A Argentina como exemplo para a periferia da União Européia.


       A reestatização do petróleo e gás argentinos, com ampla aprovação popular pelo governo de Cristina Kirchner, assim como no caso da nacionalização dos hidrocarbonetos na Bolívia em 2006, provocou na mídia oligárquica, como esperado, uma chuva de ameaças e “supostas previsões” dos danos que isso pode causar à economia do país. Isso para não mencionar os argumentos recorrentes de que a reestatização violaria contratos “legalmente” efetivados entre o governo e o setor privado. Mas esses argumentos se revelam falácias neoliberais assim que nos detemos aos fatos.

      A onda neoliberal de privatizações, que ocorreu em especial na década de 90 do século passado, conduziu os países latinoamericanos a uma dependência ainda maior do capital internacional, passando para capitais privados setores estratégicos da economia, que sempre são fontes de receita importantíssimas para o Estado. As privatizações na América Latina foram conduzidas à revelia de sua população, engordaram os cofres de multinacionais que, a preços de banana, adquiriram o direito de explorar nosso petróleo, gás, minérios, etc., e enviar os lucros para seus países de origem. O caso boliviano é emblemático no tocante à renacionalização de um setor estratégico que viabilizou uma fonte de divisa – antes toda enviada para o exterior – que retorna em investimentos em políticas de saúde, educação, moradia, etc., nunca anteriormente implementadas no país, que até então era o mais pobre da América do Sul.

     A Argentina é, sem dúvida, um dos países que mais sofreu os efeitos da política imperialista de privatizações, por ter seguido à risca os imperativos do consenso de Washington. As políticas econômicas neoliberais levaram o país a sua pior recessão entre 1998 e 2002. Mas ele vem demonstrando o conteúdo ideológico – desde que declarou moratória da sua dívida externa – do discurso fomentado por Washington, FMI e OMC, de que não manter “os compromissos” com as instituições financeiras internacionais conduz, necessariamente, à inflação galopante, escassez de divisas, e que, somado ao fechamento do crédito internacional, provoca a falência do país.

    Nos últimos 10 anos, o PIB argentino cresceu 90% e os investimentos sociais praticamente triplicaram. A renacionalização do petróleo e gás parece, com isso, ser mais um passo de Buenos Aires para reverter parte dos danos causados por mais de uma década dogmatismo neoliberal. 57% da companhia de petróleo argentina, a YPF, estava em mãos da Repsol, empresa espanhola, e já há 7 anos que a extração de petróleo do país baixou quase 20%. Dado o fato de o país, como salientou Mark Weisbrot no artigo replicado no Outras Palavras, ter dificuldade com empréstimo no mercado financeiro, a nacionalização do petróleo e gás será determinante para a Argentina “acumular um volume importante de divisa”, tanto a fim de evitar uma crise na balança de pagamento, quanto para poder investir no desenvolvimento interno.

     Reassumir o controle do setor energético é substancial para a soberania e independência de um país. Entretanto, isso de nada adianta caso os recursos gerados por essas fontes não forem revertidos para a população através de investimento sistemático em políticas públicas. A Venezuela tem mostrado métodos para que a principal fonte de receita de um país, no caso venezuelano o petróleo, possa ser posto a serviço de sua população por meio de programas que visam fomentar políticas sociais não meramente assistencialistas, mas que mobilizem o povo e as organizações populares, e incentivem sua participação como sujeitos de tais programas. No caso venezuelano podemos citar as Missões Sociais, as Universidades Populares, os Conselhos Comunais, as Comunas e muitos outros.

    Os exemplos dos governos progressistas da Venezuela, Bolívia e Argentina, não somente têm contido o avanço do neoliberalismo em nosso continente, como também evidenciado que muitos dos danos das políticas econômicas neoliberais podem ser revertidos se houver vontade política para tal, principalmente porque qualquer decisão que sugira fortalecimento da soberania do país continua a receber apoio da maioria da sua população.

    Olhando para o Brasil – a partir do exemplo dos nossos hermanos – já no terceiro mandato do PT, vemos como, apesar do apoio que sem dúvida receberia da sua população, o governo brasileiro não mostra indícios de renacionalizar setores fundamentais privatizados durante o governo FHC, por exemplo, o setor de mineração. Está certo que o Brasil não levou a cabo as privatizações com tanto afinco como na Argentina, mas não nos esqueçamos que isso se deveu em muito à pressão exercida pelos setores populares, e não por intenções estratégicas de realizar uma política moderada de privatizações.

    O país, nos últimos anos, continua a camuflar esse regime de vendas de estatais. Por meio da estratégia de Parcerias Público-Privadas – a pele de cordeiro, o eufemismo usado sem parcimônia – o governo usa os créditos do BNDES para financiar grandes empresas privadas, sobretudo as empreiteiras que, engordando seus cofres com as licitações ganhas para obras do PAC, adquirem direitos de explorar por décadas os recursos naturais, destruindo o meio-ambiente, superexplorando a mão-de-obra dos trabalhadores e violando o direito dos povos originários de decidir sobre o destino dos seus territórios. E em muitos casos com risco zero para essas empresas, com o governo arcando com todos os prejuízos que venham a ocorrer.

    Quanto à dívida pública, ao contrário do Equador, que realizou uma auditoria à respeito e concluiu que há muito já havia pago grande parte dela, declarando que só aceitava entre 25 e 30% do valor dos títulos, continuamos a pagar altos juros, cortando, para manter nosso superávit fiscal, investimentos em políticas públicas e gastos sociais dos setores mais empobrecidos da população. Quase metade do orçamento público tem sido usado para pagar juros e amortizações da dívida pública.

    Numa conjuntura econômica como a atual, em que a Europa e EUA continuam mergulhados na crise desde 2008, o exemplo argentino aponta que pode haver sim alternativa aos países da periferia do euro, cujos governos têm aceitado todas as imposições de ajustes fiscais e cortes nas políticas públicas, obrigando, no limite do insustentável, suas populações a pagar com desemprego ainda mais impostos e privatizações os demandes dos bancos e de seus governos. Há, sim, uma primeira saída rumo a uma soberania: a moratória.

    O que falta é coragem política para os governos desses países seguirem os anseios de suas populações, que dado o seu descontentamento expresso em manifestações e greves, apoiarão medidas que enfrentem a voragem dos bancos credores e a pressão dos países centrais da zona do euro, que sediam esses bancos, rompendo com a União Europeia e com sua condição de Estados reféns do capitalismo financeiro.

   Em especial para os países periféricos da zona do euro, Buenos Aires tem mais a dizer sobre radicalização da sua soberania do que o nosso glorioso Brasil



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