sexta-feira, 9 de abril de 2010

Por onde anda Keynes?

O fato de na crise econômica atual os governos dos países desenvolvidos terem despendido grandes somas de dinheiro para salvar o mercado não significa que estamos no começo de um novo keynesianismo. Um pacote de estímulo, como os 780 bilhões de dólares gastos pelo governo dos Estados Unidos para impedir a falência de alguns dos seus principais bancos e empresas, não é o suficiente para considerar essa intervenção estatal como uma medida classicamente keynesiana, como evidência de que a política econômica de livre mercado, desregulamentação e fluxo de capitais implementada sobretudo a partir do início da década de 80 começa, em função das dimensões da atual crise, a ser revista e desacreditada pelos próprios países que arquitetaram o neoliberalismo.
Keynes sabia que qualquer equilíbrio que o mercado encontre entre oferta e procura se dá sempre às custas do pleno emprego. Por isso a necessidade de intervenção do Estado não somente com dinheiro, mas com investimento em infraestrutura e regulação forte do mercado financeiro para, estimulando a economia, gerar emprego em massa e, consequentemente, a demanda por consumo. Em contrapartida, o que estamos vendo atualmente, com exceção da China, é que os países estão dando dinheiro para o mercado sem exigirem grande coisa como contrapartida, tampouco parecem apontar para a direção de estabelecer leis nacionais e internacionais de controle forte sobre as transações financeiras.
A China não sofreu recessão com a crise, continuando a crescer mais de 8% em 2009 em grande parte porque, sendo um Estado dono do seu sistema bancário, pôde empreender facilmente um plano maciço de aumento dos gastos públicos e exigir que os bancos aumentassem o crédito. Mas não vemos a Europa e Estados Unidos apontarem para a mesma direção. Por exemplo, países economicamente fracos da União Européia, como a Grécia, que já atingiu 10% de desemprego em 2010, estão sofrendo pressões da própria Comissão Européia, e portanto dos países europeus ricos, para controlar seus déficits através de cortes dos gastos públicos, sob ameaças de não mais receberem empréstimos. O que é um absurdo como medida para se sair de uma crise, e nada keynesiano. Na verdade, os países ricos sempre puderam aumentar o seu déficit orçamentário para sair de uma recessão. Ao contrário dos países pobres, que sempre sofrem pressão das instituições financeiras, como o FMI, para reduzir os gastos públicos e seus déficits.
Notem também que com a globalização da economia, e o fenômeno de desindustrialização dos países ricos, cujas empresas transferem a produção para os países em desenvolvimento em busca de mão-de-obra barata, incentivos fiscais, flexibilidade das leis trabalhistas e ambientais, etc., o investimento maciço por parte do Estado na economia não significa necessariamente grande geração de emprego e dinheiro na mão do consumidor, pois a maioria da mão de obra das empresas dos países desenvolvidos está nos países periféricos. E mesmo que seja aumentado o poder de consumo da sua população isso não significa que o mercado interno será aquecido e a geração de emprego aumentará consideravelmente.
O que o neoliberalismo criou, e não existia na época de Keynes, foram países em desenvolvimento industrial que crescem às custas de uma exploração da mão de obra barata e cuja produção abastece mercados em várias partes do globo, e países ricos cujas empresas transferem maciçamente seus complexos industriais, em busca de diminuição dos custos, para os países de economia em desenvolvimento.  Vale lembrar que Keynes escreveu nos anos 30, e que em seus escritos procurou encontrar uma saída da recessão que a crise de 29 havia provocada, sobretudo nos Estados Unidos e Europa. Os países periféricos, muitos dentre eles ainda colônias então, não eram uma preocupação no modelo de capitalismo de Estado proposto por Keynes


IMPASSE ECOLÓGICO:  O GRANDE OBSTÁCULO AO MODELO KEYNESIANO

A lógica do capital de superprodução e super-acumulação nos levou ao impasse ambiental atual ao transformar tudo o que é vivo em mercadoria morta. Em face dos impactos ambientais resultantes do nosso modo de produção, falar meramente em desenvolvimento para sair da crise é estar cego para o fato de que a crise atual não é apenas econômica, e que portanto não exige apenas medidas econômicas para ser superada. Tornar mais e mais pessoas consumidores como os estadunidenses além de absurdo, dado serem os países desenvolvidos, em grande parte por causa do seu padrão de consumo, os que mais poluíram e afetaram o ecossistema, é também uma irresponsabilidade imensurável.
A crise é de modelo porque não é apenas interna, mas do impacto do modelo sobre o que lhe é externo. Os recursos naturais não são uma fonte infinita de material para a acumulação “ad infinitum” de capital. O impasse ambiental põe em cheque o próprio modelo capitalista, inclusive até para aqueles que não consideram o desemprego estrutural e o abismo crescente entre ricos e pobres como problemas insuperáveis nos marcos da economia capitalista.
Certamente, em função da sua própria lógica interna, no pós-guerra, com uma Europa destruída, a melhor saída para a economia capitalista superar a recessão foi o investimento na reconstrução da infraestrutura dos Estados. E quando na década de 70, o Estado de bem-estar-social, cuja origem  remonta à políticas econômicas keynesianas iniciadas no pós-guerra, não foi mais interessante para a economia dos países ricos, o que vimos foi uma desmantelação do Estado e dos benefícios que ele criou, de maneira a não frear a acumulação de capital. O contexto atual de desenvolvimento das forças produtivas, de aprofundamento da crise internacional, de desilusão em face do fracasso de outros modelos de produção, como a economia planificada dos países comunistas, chama, como observa o economista filipino Walden Bello, "por uma regulação do mercado financeiro assim como dos mercados de commodities, e um gasto maciço por parte dos governos. Contudo, as necessidades do nosso tempo vão além de medidas keynesianas para abarcar uma distribuição maciça de renda, ataque à pobreza, uma radical transformação das relações de classes, desglobalização, e talvez - mas eu diria necessariamente - uma transcendência do capitalismo sob a ameaça de um cataclisma ambiental".

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