A criminalização dos movimentos sociais é uma tática historicamente reaplicada pelas elites brasileiras quando, na sua leitura, elas sentem que seus privilégios políticos e econômicos, principalmente o aumento irrestrito da propriedade privada, estão sob ameaça. Na verdade, não tem havido um período na história do Brasil em que as elites não utilizaram instâncias do Estado para manter e aumentar seus privilégios.
A intensificação, nos últimos anos, dessa tática tem sido estendida para todos os setores da sociedade brasileira onde quer que haja luta por direitos sociais previstos na Constituição. Essas elites utilizam todos os meios possíveis para incriminar os movimentos sociais, desde a utilização do Judiciário e do Congresso, passando pela mídia corporativa, até o meio repressivo mais recorrente, a polícia. Processos judiciais, prisões, CPMIs, infiltrações nos movimentos, ordens de despejo, difamações repetidas à exaustão pelos meios de comunicação corporativos, são os mecanismos à mão das elites brasileiras para barrar lutas que, numa sociedade realmente democrática, são constitucionalmente legítimas.
E claro que quanto mais forte um movimento, quanto mais ampla e consistente a sua base social de mobilização, maiores serão as tentativas de desmoralizá-lo e desmobilizá-lo. O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) - que surge durante a redemocratização do país, em 1984 - por causa da sua força social, pois é o movimento popular com uma das maiores bases sociais, não somente da America Latina, mas também do mundo, tem sido o principal alvo dessa campanha difamatória e repressiva. Ao ponto de a direita no Congresso aprovar, em 2009, a criação de uma CPMI para investigar supostas verbas públicas destinadas ao movimento. O MST nunca teve problemas com prestação de contas com o Estado, e quando há recursos públicos destinados ao movimento são para projetos apresentados por cooperativas e organizações de assentados. Para quem conhece cooperativas e assentamentos do movimento, sabe quão séria é a organização coletiva dos seus membros e quão grande é a atenção com tesouraria e a prestação de contas.
Agora imagine se fosse criada uma CPMI para investigar o repasse de verba pública para o meio rural do agronegócio, e os convênios firmados com cooperativas e associações de grandes empresários rurais, muitos deles certamente compondo a bancada ruralista no Congresso. Quanta má aplicação de verba pública não seria descoberta.
A perseguição a vários integrantes do movimento também vem aumentando. Como na cidade de Iaras, São Paulo, onde, em 2009, 9 integrantes do movimento foram presos por participarem da ocupação de uma terra pertencente à União, mas grilada pela Cutrale, empresa produtora e exportadora de suco de laranja.
Contudo, a tentativa de criminalizar movimentos sociais se estende também a movimentos pequenos e muito recentes, sobretudo nas grandes cidades, assim como a etnias indígenas que lutam tanto por reconhecimento, por parte do Estado, de suas identidades, quanto pelo direito às terras que lhes foram roubadas. O caso mais em destaque atualmente é a luta da etnia Tupinambá, no estado da Bahia, que tem tanto sofrido repressão constante - com inclusive prisão de seus líderes acusados sem provas pela própria Política Federal de serem criminosos formadores de quadrilhas - quanto difamações na mídia, como na revista Época, que por meio de reportagem claramente de conteúdo racista, questionou a identidade dos índios, simplesmente julgando, sem critério algum, que o traço de seus rostos apresentam "mais ascendência negra do que indígena" (http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca/0,,EMI105789-15223,00-O+LAMPIAO+TUPINAMBA.html) . Ou seja, para ser índio, além de ter que estar pelado e morando no meio da mata, tem que apresentar determinados traços que a jornalista se julgou capaz de atribuir como constitutivos da morfologia facial de um índio “puro”. Como se também critérios de mestiçagem, tão comum em nosso país, fossem a justificativa para deslegitimizar a luta dos Tupinambás, e de todas as etnias que vêem sua terras serem usurpadas pela concentração fundiária.
Não somente os movimentos, mas também sindicatos, professores e funcionários de escolas e universidades públicas brasileiras têm sofrido sistemática repressão. Como da última greve dos professores das escolas públicas da cidade de São Paulo, que, além de não conseguirem que nenhuma de suas reivindicações fossem atendidas, sofreram forte repressão policial e ataque constante da mídia corporativa. As principais reivindicações eram: reajuste salarial de 34,3%, incorporação de gratificações cortadas, plano de cargos e salários, garantia de emprego, validade de atestado médico, não descriminação mediante categorias, etc. Reivindicações mais do que legítimas num estado que, embora sendo o mais rico do país, paga um professor do ensino fundamental um salário miserável de 785, 50 reais e fixa o piso salarial de um professor do ensino médio em 909,30 reais, podendo chegar no final da carreira a um salário de pouco mais de 1.100,00 reais.
Vários foram os casos de mentiras forjadas pela mídia e pelo governo paulista a respeito da greve. O número de manifestantes nas passeatas foi sempre maior do que o divulgado nos jornais, a farça anunciada de que poucos professores aderiram à greve, o destaque ao transtorno que as passeatas causaram ao transito paulista em detrimento de qualquer apresentação mais séria sobre a greve, o silêncio sobre as agressões que os professores sofreram da repressão policial, supostos "educadores" de renome deslegitimizando, em artigos em jornalões, a luta dos professores - já de decadas - contra a precarização não somente das suas condições de trabalho mas de toda a ede pública de ensino, etc.
Vários foram os casos de mentiras forjadas pela mídia e pelo governo paulista a respeito da greve. O número de manifestantes nas passeatas foi sempre maior do que o divulgado nos jornais, a farça anunciada de que poucos professores aderiram à greve, o destaque ao transtorno que as passeatas causaram ao transito paulista em detrimento de qualquer apresentação mais séria sobre a greve, o silêncio sobre as agressões que os professores sofreram da repressão policial, supostos "educadores" de renome deslegitimizando, em artigos em jornalões, a luta dos professores - já de decadas - contra a precarização não somente das suas condições de trabalho mas de toda a ede pública de ensino, etc.
Um dos mecanismos que mais tem comprometido o cumprimento da Constituição de 1988, e, portanto, o aprofundamento real da democracia no Brasil, consiste no fato de o Poder Judiciário brasileiro ter sido usado como principal ferramenta para criminalizar os movimentos sociais, de maneira a respaldar judicialmente a violência policial contra eles. Como argumentou a juíza de direito da 16º vara criminal de São Paulo e secretária do conselho executivo da Associação para a Democracia-Brasil, Kenarik Boujikian Felippe, em artigo na revista Caros Amigos (edição especial, número 49, abril de 2010), o Judiciário tem sido usado sistematicamente para transformar em delito as lutas por direitos sociais e os sujeitos que empreendem essas lutas em delinquentes. Para a juíza, “a criminalização é usada para atender o mais rápido possível os detentores do poder, de modo a transmitir falsamente a idéia de solução de um problema de conotação social. A criminalização, apresentada em caráter individual, objetiva reprimir o exercício de luta pelas transformações sociais”.
Esse uso sistemático e indiscriminado, pelas elites, do Judiciário e dos Órgãos de Segurança Pública, esses últimos ainda empregando ex-torturadores do regime Militar, sem dúvida é uma perpetuação de práticas repressivas do Estado contra seus cidadãos que pouco foram alteradas com a redemocratização do país. A impunidade contra os crimes cometidos nos 20 anos de autoritarismo militar é de longe a principal razão para que o Judiciário e a polícia continuem sendo tão facilmente utilizados para reprimir as lutas democráticas por um país menos desigual. Os ataques por parte dos setores conservadores, por meio da mídia a seu serviço, à conjectura de se reanalisar a Lei de Anistia e ao III Programa Nacional dos Direitos Humanos, resultado da organização dos movimentos sociais e da sociedade civil brasileira, demonstra que as elites desse pais estão muito conscientes de que rever o passado aprofundará a democracia popular e, consequentemente, diminuirá sua concentração de poder.
Sabemos que a Constituição de 1988 foi uma conquista de anos de luta da sociedade civil brasileira, representada nos movimentos sociais, sindicatos, estudantes, trabalhadores, professores, intelectuais, etc. As lutas sociais que vemos atualmente no Brasil levantam a bandeira comum de que a Constituição seja de fato aplicada para que de fato o Brasil aprofunde a sua experiência democrática. A criminalização dos movimentos sociais é a tentativa de barrar, no jogo de forças da sociedade brasileira, o aumento do poder das classes populares, que é uma decorrência direta do aumento da sua organização. O medo dessas elites não é de que se cumpra a Constituição liberal do Estado Brasileiro, mas do que pode resultar do seu cumprimento: a possibilidade de que as classes populares, à medida que verem a constituição sair do papel em decorrência de suas lutas, queiram dar um passo a mais, e tornar bandeira de luta comum a superação da democracia burguesa representativa, por uma democracia popular, de participação direta. O medo das elites brasileiras já conhecemos, é o medo de que as classes populares se organizem.
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OBS: para reportagens sérias sobre a luta dos Tupinambá no sul da Bahia, recomendo a leitura das reportagens escritas no jornal Brasil de Fato (http://www.brasildefato.com.br/v01/search?SearchableText=tupinamba ).
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OBS: para reportagens sérias sobre a luta dos Tupinambá no sul da Bahia, recomendo a leitura das reportagens escritas no jornal Brasil de Fato (http://www.brasildefato.com.br/v01/search?SearchableText=tupinamba ).