segunda-feira, 31 de maio de 2010

A criminalização dos movimentos sociais.

        A criminalização dos movimentos sociais é uma tática historicamente reaplicada pelas elites brasileiras quando, na sua leitura, elas sentem que seus privilégios políticos e econômicos, principalmente o aumento irrestrito da propriedade privada, estão sob ameaça. Na verdade, não tem havido um período na história do Brasil em que as elites não utilizaram instâncias do Estado para manter e aumentar seus privilégios.
       A intensificação, nos últimos anos, dessa tática tem sido estendida para todos os setores da sociedade brasileira onde quer que haja luta por direitos sociais previstos na Constituição. Essas elites utilizam todos os meios possíveis para incriminar os movimentos sociais, desde a utilização do Judiciário e do Congresso, passando pela mídia corporativa, até o meio repressivo mais recorrente, a polícia. Processos judiciais, prisões, CPMIs, infiltrações nos movimentos, ordens de despejo, difamações repetidas à exaustão pelos meios de comunicação corporativos, são os mecanismos à mão das elites brasileiras para barrar lutas que, numa sociedade realmente democrática, são constitucionalmente legítimas.
      E claro que quanto mais forte um movimento, quanto mais ampla e consistente a sua base social de mobilização, maiores serão as tentativas de desmoralizá-lo e desmobilizá-lo. O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) - que surge durante a redemocratização do país, em 1984 - por causa da sua força social, pois é o movimento popular com uma das maiores bases sociais, não somente da America Latina, mas também do mundo, tem sido o principal alvo dessa campanha difamatória e repressiva. Ao ponto de a direita no Congresso aprovar, em 2009, a criação de uma CPMI para investigar supostas verbas públicas destinadas ao movimento. O MST nunca teve problemas com prestação de contas com o Estado, e quando há recursos públicos destinados ao movimento são para projetos apresentados por cooperativas e organizações de assentados. Para quem conhece cooperativas e assentamentos do movimento, sabe quão séria é a organização coletiva dos seus membros e quão grande é a atenção com tesouraria e a prestação de contas.
      Agora imagine se fosse criada uma CPMI para investigar o repasse de verba pública para o meio rural do agronegócio, e os convênios firmados com cooperativas e associações de grandes empresários rurais, muitos deles certamente compondo a bancada ruralista no Congresso. Quanta má aplicação de verba pública não seria descoberta.  
      A perseguição  a vários integrantes do movimento também vem aumentando. Como na cidade de Iaras, São Paulo, onde, em 2009, 9 integrantes do movimento foram presos por participarem da ocupação de uma terra pertencente à União, mas grilada pela Cutrale, empresa produtora e exportadora de suco de laranja.
      Contudo, a tentativa de criminalizar movimentos sociais se estende também a movimentos pequenos e muito recentes, sobretudo nas grandes cidades, assim como a etnias indígenas que lutam tanto por reconhecimento, por parte do Estado, de suas identidades, quanto pelo direito às terras que lhes foram roubadas. O caso mais em destaque atualmente é a luta da etnia Tupinambá, no estado da Bahia, que tem tanto sofrido repressão constante - com inclusive prisão de seus líderes acusados sem provas pela própria Política Federal de serem criminosos formadores de quadrilhas - quanto difamações na mídia, como na revista Época, que por meio de reportagem claramente de conteúdo racista, questionou a identidade dos índios, simplesmente julgando, sem critério algum, que o traço de seus rostos apresentam "mais ascendência negra do que indígena" (http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca/0,,EMI105789-15223,00-O+LAMPIAO+TUPINAMBA.html) . Ou seja, para ser índio, além de ter que estar pelado e morando no meio da mata, tem que apresentar determinados traços que a jornalista se julgou capaz de atribuir como constitutivos da morfologia facial de um índio “puro”. Como se também critérios de mestiçagem, tão comum em nosso país, fossem a justificativa para deslegitimizar a luta dos Tupinambás, e de todas as etnias que vêem sua terras serem usurpadas pela concentração fundiária.
      Não somente os movimentos, mas também sindicatos, professores e funcionários de escolas e universidades públicas brasileiras têm sofrido sistemática repressão. Como da última greve dos professores das escolas públicas da cidade de São Paulo, que, além de não conseguirem que nenhuma de suas reivindicações fossem atendidas, sofreram forte repressão policial e ataque constante da mídia corporativa. As principais reivindicações eram: reajuste salarial de 34,3%, incorporação de gratificações cortadas, plano de cargos e salários, garantia de emprego, validade de atestado médico, não descriminação mediante categorias, etc. Reivindicações mais do que legítimas num estado que, embora sendo o mais rico do país, paga um professor do ensino fundamental um salário miserável de 785, 50 reais e fixa o piso salarial de um professor do ensino médio em 909,30 reais, podendo chegar no final da carreira a um salário de pouco mais de 1.100,00 reais.
      Vários foram os casos de mentiras forjadas pela mídia e pelo governo paulista a respeito da greve.  O número de manifestantes nas passeatas foi sempre maior do que o divulgado nos jornais, a farça anunciada de que poucos  professores aderiram à greve,  o destaque ao transtorno que as passeatas causaram ao transito paulista em detrimento de qualquer apresentação mais séria sobre a greve, o silêncio sobre as agressões que os professores sofreram da repressão policial,   supostos "educadores" de renome deslegitimizando, em artigos em jornalões, a luta dos professores - já de decadas - contra a precarização não somente das suas condições de trabalho mas de toda a ede pública de ensino, etc. 
     Um dos mecanismos que mais tem comprometido o cumprimento da Constituição de 1988, e, portanto, o aprofundamento real da democracia no Brasil, consiste no fato de o Poder Judiciário brasileiro ter sido usado como principal ferramenta para criminalizar os movimentos sociais, de maneira a respaldar judicialmente a violência policial contra eles. Como argumentou a juíza de direito da 16º vara criminal de São Paulo e secretária do conselho executivo da Associação para a Democracia-Brasil, Kenarik Boujikian Felippe, em artigo na revista Caros Amigos (edição especial, número 49, abril de 2010), o Judiciário tem sido usado sistematicamente para transformar em delito as lutas por direitos sociais e os sujeitos que empreendem essas lutas em delinquentes. Para a juíza, “a criminalização é usada para atender o mais rápido possível os detentores do poder, de modo a transmitir falsamente a idéia de solução de um problema de conotação social. A criminalização, apresentada em caráter individual, objetiva reprimir o exercício de luta pelas transformações sociais”.
      Esse uso sistemático e indiscriminado, pelas elites, do Judiciário e dos Órgãos de Segurança Pública, esses últimos ainda empregando ex-torturadores do regime Militar, sem dúvida é uma perpetuação de práticas repressivas do Estado contra seus cidadãos que pouco foram alteradas com a redemocratização do país. A impunidade contra os crimes cometidos nos 20 anos de autoritarismo militar é de longe a principal razão para que o Judiciário e a polícia continuem sendo tão facilmente utilizados para reprimir as lutas democráticas por um país menos desigual. Os ataques por parte dos setores conservadores, por meio da mídia a seu serviço, à conjectura de se reanalisar a Lei de Anistia e ao III Programa Nacional dos Direitos Humanos, resultado da organização dos movimentos sociais e da sociedade civil brasileira, demonstra que as elites desse pais estão muito conscientes de que rever o passado aprofundará a democracia popular e, consequentemente, diminuirá sua concentração de poder.
     Sabemos que a Constituição de 1988 foi uma conquista de anos de luta da sociedade civil brasileira, representada nos movimentos sociais, sindicatos, estudantes, trabalhadores, professores, intelectuais, etc. As lutas sociais que vemos atualmente no Brasil levantam a bandeira comum de que a Constituição seja de fato aplicada para que de fato o Brasil aprofunde a sua experiência democrática. A criminalização dos movimentos sociais é a tentativa de barrar, no jogo de forças da sociedade brasileira, o aumento do poder das classes populares, que é uma decorrência direta do aumento da sua organização. O medo dessas elites não é de que se cumpra a Constituição liberal do Estado Brasileiro, mas do que pode resultar do seu cumprimento: a possibilidade de que as classes populares, à medida que verem a constituição sair do papel em decorrência de suas lutas, queiram dar um passo a mais, e tornar bandeira de luta comum a superação da democracia burguesa representativa, por uma democracia popular, de participação direta. O medo das elites brasileiras já conhecemos, é o medo de que as classes populares se organizem.
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OBS: para reportagens sérias sobre a luta dos Tupinambá no sul da Bahia, recomendo a leitura das reportagens escritas no jornal Brasil de Fato (http://www.brasildefato.com.br/v01/search?SearchableText=tupinamba ).

sábado, 22 de maio de 2010

O Irã: bode expiatório da questão das armas nucleares.

Enquanto o Irã, em função do seu programa de enriquecimento de urânio, é apresentado pelo governo dos Estados Unidos como uma ameaça à "paz" mundial, países que realmente possuem armas nucleares, como Israel, Paquistão e Índia, definitivamente não sofrem a mesma pressão. Esses três países não são signatários do TNP (Tratado de Não proliferação de Armas Nucleares), ratificado em 25 de março de 1970, e Israel sempre se recusou a autorizar a realização de inspeções aos seus sistemas nucleares, atitude que nunca recebeu críticas por parte de Washington, dado que Israel é seu principal aliado na região. Se de fato a preocupação fosse com a ameaça que é países possuírem ou buscarem possuir tecnologia nuclear para fins militares, e a insegurança geopolítica que disso decorre, o principal perigo, no caso do Oriente Médio, seria Israel, único país na região que possui armas nucleares, e o país que mais tem empreendido incursões militares contra seus vizinhos. A única incursão agressiva do Irã fora de suas fronteiras foi durante o governo do Xá na década de 1970, quando, com apoio dos Estados Unidos (vale lembra que este governo ascendeu ao poder por um golpe de Estado com apoio de Washington nos anos 50, que derrubou um governo laico democraticamente eleito), invadiu duas ilhas árabes(http://www.cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=16537 ).
A questão também não é o fato de o regime atual no Irã ser abominável, ter fraudado as últimas eleições, etc. Em matéria de violação de Direitos Humanos e regimes ditatoriais, a Arábia Saudita e o Egito de longe superam o Irã, mas nem por isso recebem a mesma atenção, e a razão disso é clara: são aliados estratégicos dos EUA. Toda vezes em que a ONU tentou aprovar uma resolução que exigisse que Israel assinasse o TNP e permitisse as inspeções da AIEA (Agência Internacional de Energia Atômica), os EUA, por meu do seu poder de veto no Conselho de Segurança, bloqueou a resolução.
Não tirando a importância e a legitimidade do TNP como acordo de valor internacional que contribui, por um lado, para o controle do desenvolvimento de tecnologia nuclear para fins militares e, por outro, para a ampliação de zonas desnuclearizadas, é certo que ele é usado também como um dispositivo que assegura o monopólio dessa tecnologia pelos países que a possuem. Ninguém tem dúvida que possuir tecnologia militar nuclear é um grande instrumento de poder. Se há algum país que deve temer alguém é o próprio Irã, que se vê cercado pela presença militar norte-americana por todos os lados: a oeste, o Iraque ocupado e, a leste, o Afeganistão. As ameaças com palavras do governo dos EUA, inclusive de uma possível invasão, somente tendem a aumentar a insegurança do Irã, o que leva seus líderes a cada vez mais acreditarem ser indispensável o desenvolvimento de armas nucleares para impedir a invasão do país. Que outro meio, senão armas nucleares podem barrar os Estados Unidos quando ele decide invadir um país? De fato, ninguém deseja que o Irã ou qualquer outro país possuam armas nucleares, mas um olhar mais objetivo sobre toda a querela atual e a pressão sobre o Irã mostra a hipocrisia dessa propaganda que tenta demonizar esse país. Já sabemos que para justificar a invasão do Iraque os EUA, com apoio da sua mídia, e parte da mídia internacional, forjou a mentira de que Saddam possuía armas nucleares, quando o que o Iraque tinha de mais moderno em termos militares eram tanques vendidos ao país pelo Brasil na década de 80.



Verdadeiros Objetivos

Se a intenção fosse de fato desmilitarizar o máximo possível o mundo, os Estados Unidos, por exemplo, deveria começar pela sua própria casa. O orçamento militar, mesmo na atual crise econômica, dos EUA é maior, pasmem, que a soma do orçamento militar de todos os países do mundo juntos. Obama também acabou de autorizar o Congresso norte-americano a ampliar o orçamento militar. Uma das primeiras medidas de Obama quando assumiu o poder, foi a de intensificar a guerra no Afeganistão, aumentando em mais de 30 mil o número de soldados na região, e estendendo a guerra para além das fronteiras afegãs, com incursões militares em solo paquistanês. Assim, qual país seria mais perigoso para a paz mundial: os EUA, que estende uma guerra a um país que não somente detém armas nucleares cuja tecnologia para o seu desenvolvimento foi transferida a ele pelo próprio EUA, mas que também está há décadas em guerra com o seu vizinho, a Índia, que também possui armas nucleares? Ou um país como o Irã, que até o presente momento tem procurado desenvolver tecnologia de enriquecimento de urânio? E isso não é tudo. Em 2006, os EUA assinaram com a Índia, país que além de possuir armas nucleares e estar em guerra com seu vizinho jamais assinou o TNP, um acordo de cooperação nuclear. Isso mesmo. E pergunto ao leitor: alguma vez Washington cogitou em exigir que a ONU aplicasse sanções econômicas contra a Índia, como tem feito em relação ao Irã?
Em vista de tudo isso, não podemos deixar de pensar que os Estados Unidos estejam preparando o terreno para a sua próxima incursão militar, embora esteja atolado em duas guerras sem previsões de acabar e apesar da crise econômica. A invasão do Irã concretizaria um objetivo de controlar as principais fontes de petróleo: Arábia Saudita, aliado econômico de longo tempo, e Iraque e Irã, ambos pela força. Mas creio que, no caso do Irã, as coisas parecem mais difíceis, pois o país tem como principal parceiro econômico a China, de maneira que o impacto e importância global de uma possível invasão do Irã é maior; além do mais, o Irã é um país de 60 milhões de habitantes. Ao menos a China, como membro permanente, pode vetar a autorização de uma guerra pelo Conselho de Segurança. Contudo, como ficou evidenciado mais uma vez no caso do Iraque, os EUA não costumam levam muito a sério a legitimidade do Conselho de Segurança quando ele se torna um entrave aos seus objetivos econômicos e geopolíticos.



O Brasil em cena

Ao contrário do que a grande mídia brasileira tem forjado a respeito do papel diplomático que o Brasil, junto à Turquia, tem exercido como intermediador entre o Irã e os países que fazem coro à pressão dos EUA, tanto o Brasil quanto a Turquia, ou qualquer outro países que estivesse no lugar deles, estão desempenhando, como países soberanos, um papel importante para que haja um equilíbrio de forças na esfera diplomática. E é prova de que parte significativa da comunidade internacional vê como legítimo o direito de o Irã enriquecer urânio para pesquisas de fins pacíficos, como a geração de energia e desenvolvimentos de tecnologia na area médica. Esse contraponto também pode contribuir para barrar as tentativas de estrangular economicamente o Irã por meio de sanções. O acordo assinado pelo Irã segunda-feira última, intermediado por Brasil e Turquia, segundo o qual o Irã se compromete a transportar parte do seu urânio de baixo enriquecimento para ser armazenado na Turquia, em troca de combustível nuclear para pesquisas na área médica, pode ser muito positivo para a salvaguarda da soberania do Estado iraniano, sob ameaça constante por parte da maior potência militar do mundo. Mais detalhadamente, o acordo obriga o Irã a enviar 1.2 toneladas de urânio, o que é aproximadamente metade do que ele possui, para a Turquia, sob supervisão da AIEA, a partir do mês que vem. Em troca, o Irã receberá, dentro de um ano, 120kg de combustível altamente enriquecido dos países do grupo de Viena (dentre eles, EUA, Rússia e França).
Embora os EUA tenha sido um dos incentivadores dessa proposta, assim que o acordo foi efetivado Washington declarou ceticismo em relação a sua eficácia. O que prova que os interesses estadunidenses de pressão sobre o Irã não se reduzem à questão nuclear. No site da revista on-line Carta Maior, saiu trecho de uma carta que Obama enviou ao presidente Lula aproximadamente duas semanas atrás, na qual ele demonstra estar de total acordo com a proposta e ciente da sua importância. No entanto, assim que ela se tornou uma realidade, o presidente norte-americano anunciou publicamente a sua descrença em relação ao acordo e manteve as exigências de novos sanções ao Irã.
Os desdobramentos dessa pressão podem ser muito negativos para a paz no Oriente Médio, e só tendem a provocar mais instabilidade na região, sempre sob a discurso falacioso de que a preocupação é justamente a “estabilidade” internacional.



domingo, 16 de maio de 2010

A crise na Grécia: uma crise nos países da União Européia?

Em 7 de maio, os líderes dos países membros da União Européia, com apoio do FMI (Fundo Monetário Internacional), aprovaram um pacote de ajuda de 110.000 bilhões de euros para a Grécia, país europeu que mais tem sofrido com a crise, estando inclusive sub ameaça de falência. O débito grego atingiu mais de 13% do PIB no ano passado e a taxa de desemprego subiu para 12,1% em fevereiro último, o que significa que em um país com uma população de 10,5 milhões de habitantes, e apenas 4,9 milhões de pessoas economicamente ativas, 605 mil trabalhadores estão desempregados. Como de se esperar, este empréstimo - 80 milhões de euros a cargo dos países da zona européia e 30 a cargo do FMI - somente foi aprovado porque a o governo grego se comprometeu a cumprir as metas de austeridade fiscal impostas como condição para o empréstimo. Os congressistas gregos votaram a favor da aprovação (172 votos contra 121) do corte do salário do setor público em 10%, das pensões (públicas e privadas) em 14%, e claro, aumento nos impostos.
Novamente é a população que deverá arcar com o ônus. E o Estado, bem, sempre a mesma solução neoliberal: menos Estado. Com a possibilidade de que a crise do débito se estenda para outros países da União Européia, primeiramente atingindo os mais fracos, como Espanha e Portugal, o que afetará fortemente o euro, os líderes dos principais países, como a Alemanha, que arcará com 1/3 do empréstimo, foram rápidos para justificar a suas populações a necessidade desse pacote de ajuda. A chanceler alemã, Angela Merkel, afirmou que o futuro da União Européia está em jogo, e que o parlamento alemão deveria aprovar o mais rápido possível o empréstimo ( http://www.rferl.org/articleprintview/2033134.html ).
Além do pacote grego, dia 10 de maio foi anunciado pela União Européia um outro pacote de empréstimo e garantias, também com apoio do FMI. O pacote será de aproximadamente 750 bilhões de euros, e será um fundo para um plano de três anos de "estabilização" econômica da União Européia, com os 16 países membros responsáveis pelo empréstimo de 440 bilhões para os países mais endividados - Grécia, Espanha, Itália, Irlanda, etc. 60 billões ficará a cargo da Comissão Européia, e o restante, 250 bilhões será fornecido pelo FMI.
Está bem, este é o cenário das medidas econômicas para “acalmar” o mercado e tentar ao menos estancar uma crise cujo primeiro grande efeito  tem sido a ameaça de falência de um estado europeu e a possibilidade de adquirir um efeito dominó, atingindo do mesmo modo outros estados.
No entanto, e a população, fortemente afetada pela crise? Na Grécia, desde o ano passado, tem havido fortes e numerosos protestos, greves, boicotes e confrontos com a polícia. A morte, pela polícia, de um jovem em 2008, foi apenas a faísca que desencadeou mobilizações em todo o país, sobretudo na capital Atenas, contra o atual governo do primeiro ministro George Papandreou, mas que é a expressão de uma insatisfação com as medidas político-econômicas de sucessivos governos que, um após o outro, vêm aprofundando medidas neoliberais e aumentando o desemprego. O último plano de austeridade fiscal, votado em 7 de maio, consiste num plano mais drástico de enxugamento do Estado, ao modo do que Naomi Klein chama de doutrina do chock, que não é senão levar a cabo medidas neoliberais que, em momentos mais estáveis, seriam difíceis de ser aprovadas e implementadas com tanta rapidez. Entre os protestantes nas ruas das principais cidades gregas, estão estudantes, desempregados, movimentos sociais, sindicatos, etc., ou seja, parte significativa da sociedade civil, que se vê tendo que arcar com o ônus de uma crise desencadeada pela especulação financeira, por um sistema que se sustenta, independentemente do país, sobre débito crescente e desemprego estrutural, e que, quando necessário, como saídas para crises, usa o Estado como um meio para punir a população pelo o que ela não cometeu. A repressão tem aumentado à proporção que as manifestações crescem. Os confrontos têm ocorrido principalmente nas ruas dos centros das grandes cidades e na frente do parlamento em Atenas, como quando da votação de cortes com os gastos públicos. Tal cenário só tende a se agravar, e o Estado grego já está exercendo a principal função que se espera de um Estado, sobretudo em momentos de crise, em uma economia neoliberal: repressão policial sobre a população insatisfeita, controle social mediante o uso direto da força.
Diante do contexto grego, em particular, e da União Européia, em geral, qual direção a relação entre capital e trabalho está tomando na Europa? Seria a Grécia a primeira evidência do que está por vir?
Não acredito em grandes previsões, pois a dinamicidade da história não permite tal ingenuidade, mas uma coisa é certa, e isso é o que está ocorrendo: o que sempre foi uma exigência feita pelos países desenvolvidos e suas organizações financeiras para o emprétimo de dinheiro  aos países em desenvolvimento, a saber, o enxugamento do Estado, princípio central da implementação do neoliberalismo nos países periféricos, está se tornando cada vez mais um “universal categórico” para os próprios países que estiveram na dianteira da ordem global que gerou a crise atual. Se o primeiro país europeu, na atual crise, a receber uma soma considerével de empréstimo teve que tomar as mediadas de reajuste estrutural de que falei, o mesmo pode se esperar dos outros países que venham a receber empréstimos. Começando pelos mais fracos evidentemente. 
Quando muitos acreditavam que a crise atual estava pondo em cheque 30 anos do dogmatismo neoliberal, e até mesmo trazendo à tona novamente discursos keynesianos, o que estamos vendo na prática é um aprofundamento das políticas econômicas neoliberais em solo europeu. As palavras de Olli Rehn, o comissário europeu para questões monetárias e econômicas, não deixam dúvidas quanto a isso:  “...os esforços fiscais dos estados membros da União Européia, a assistência financeira realizada pela comissão e estados membros, e as ações tomadas pelo Banco Central Europeu, provam que devemos defender o euro – seja o que for preciso”
Se já bem antes da crise, benefícios à população assegurados  pelo capitalismo de Estado dos governos social-democratas (o que ficou conhecido por Estado de bem-estar social) já vinham sendo progressivamente eliminados, com essa crise parece que o que até então havia restado das conquistas do pós-guerra está nos seus últimos dias. Essa crise veio para acabar definitivamente com o que ainda sobrava do capitalismo de bem-estar social. A resposta dos próprios estados a atual crise está consistindo na concretização "definitiva" do neoliberalismo.
Em contrapartida, qual será a resposta dos trabalhadores dos outros países europeus à mediada que verem em seus países o mesmo ataque tão forte ao Estado e ao trabalho que estamos vendo na Grécia? As populações desses países mostrarão a mesma insatisfação grega? O cenário fortificará a relação entre os movimentos sociais, os trabalhadores? Será condição para uma maior internacionalização, em solo europeu, da luta contra o neoliberalismo e anti-capitalista? Ou veremos um crescimento de discursos de extrema direita, mais conflitos étnicos, xenofobia, cujos resultados são o aumento do sectarismo e da violência da população contra si mesma?
Como todo momento crítico, as respostas para ele podem ser plurais, mas as atitudes de união que a população grega vem tomando podem não apenas servir de exemplo da consciência que o inimigo não é o seu vizinho, mas também um prenúncio de um ressurgimento de um forte conflito entre capital e trabalho nos países europeus. Os desdobramentos da mobilização popular na Grécia, que continua cada vez mais forte, apenas começaram, e ainda não sabemos se a violência do Estado acabará por conter a insatisfação, ou se, no país onde se criou a democracia, os excluídos da Pólis, que agora são os próprios gregos, conseguirão fortalecer-se e inspirar seus vizinhos na luta por uma democracia um pouco mais universal.