segunda-feira, 23 de agosto de 2010

A ditadura e o empresariado nacional.

          Pouco ainda se sabe e se fala, por razões bem óbvias, da ligação do grande empresariado nacional com o regime militar. Contudo, é um fato real que o golpe de 1964 foi um golpe civil-militar, com forte suporte financeiro das elites industriais do país. Muitos empresários não somente apoiaram o golpe, mas também financiaram com grandes somas de dinheiro a repressão e a tortura. O caso mais conhecido é o da financiamento, por empresas paulistas, da Operação Bandeirantes (OBAN), criada em 1969 pelas forças armadas, em conjunto com as polícias civil e militar, para enfrentar a crescente resistência ao regime.
         A partir da implantação da OBAN, a ditadura aumentou, de forma sistemática e coordenada, a repressão e a tortura, causando a morte de várias pessoas que resistiam ao regime por meios armados ou não. Não somente dinheiro do empresariado nacional foi utilizado para aparelhar a OBAN, mas também de empresas multinacionais, como as automobilísticas FORD e General Motors. O temor do empresariado às possíveis reformas sociais prometidas pelo governo Goulart e apoiadas pela mobilização popular, na época vistas pelo próprio empresariado como “sindicalização do governo”, foi o fator central na articulação civil-militar do golpe. No decorrer dos anos de ditadura, tanto empresas nacionais quanto internacionais se beneficiaram da política econômica de "desenvolvimento" do regime. Os laços entre os generais e parte considerável do grande empresariado, sobretudo nos anos mais violentos do regime, eram tão grandes, que até o Ministro da Fazenda entre 1967 e 1974 (nos governos Costa e Silva e Médici), Delfim Neto, foi muitas vezes encarregado de lembrar o empresariado da importância do seu apoio financeiro à repressão.
         O empresariado nacional financiou fortemente o golpe e a tortura. De maneira que pensar nos 20 anos de total repressão aos direitos civis e políticos, sistemáticas prisões, torturas, assassinatos, etc., como duas décadas de um regime apenas militar, sem uma participação deliberada de parte da burguesia, quando não inocente, é querer simplificar os fatos da nossa história política recente e forjar uma narrativa que exime de responsabilidade direta arquitetos centrais do golpe.
         Se nem sequer no Brasil ainda se tem acesso público aos documentos das forças armadas no período, e tampouco um único torturado foi punido, imaginem quão distantes estão de terem que prestar contas à sociedade empresários e empresas que financiaram o regime, muitos dois quais ainda em atividade e influenciando os rumos políticos e econômicos do país. Se muitos dos torturadores ainda não têm nome nem rosto, quanto menos esses empresários, que equiparam a tortura, mas não sujaram suas mãos com sangue.
         Os ataques das elites dirigentes ao 3 Plano Nacional dos Direitos Humanos (PNDH), produto de ampla discussão do Estado com a sociedade civil organizada e movimentos sociais, que propõe a criação de um comissão para averiguar os crimes cometidos pelo regime, e tornar muito do que está encoberto público, tem suas razões. E elas são nítidas. Nomes aparecerão, e personagens e empresas influentes contarão em alguma lista.
          As elites brasileiras vão muito bem com a desmemória coletiva a respeito dos anos de chumbo, já que a anistia concedeu a liberdade de muitos continuarem impunes e influenciando os rumos do país. Ainda temos uma longa caminhada na luta contra o esquecimento deliberado que as elites, junto com os órgãos de mídia que elas mesmas controlam, alguns dos quais existem desde o regime, querem perpetuar. Um esquecimento que se traduz em impunidade e, por consequência, em repetição, com uma máscara democrática, de velhos hábitos. O silêncio imposto sempre foi uma grande arma das elites. E hoje a desinformação produzida pela mídia oligárquica, travestida de porta-voz do direito de voz, está comprometida com esse apagamento e distorção do que foi o regime e como ele foi arquitetado. Não é por coincidência que para a Folha de São Paulo a ditadura militar tenha parecido tão branda. O mesmo jornal emprestava seus carros para a OBAN usar como disfarce nas suas operações de captura e assassinato de membros da resistência.
         A sociedade civil organizada e os movimentos sociais, todavia, cada vez mais têm demonstrado que querem ver os crimes da ditadura averiguados pelo Estado, os nomes dos torturadores e seus apadrinhadores publicados e a realização de seus julgamentos . Está muito claro o forte conteúdo de classe nessa oposição das elites a que se mexa no passado. E não tenham dúvidas de que quanto maior for a pressão da sociedade para que os  responsaveis diretos pela tortura não fiquem impunes, maior será a contraofensiva das elites, pois o que está em jogo não é somente a memória, mas também as consequências da verdade tornada pública.
       Por isso que se a sociedade brasileira conseguir que se torne público e que se punam os crimes da ditadura, será uma prova concreta da força da sociedade civil organizada no Brasil atual, e um prenúncio de novas conquistas que estarão por vir.

 
  

4 comentários:

  1. Por falar em relação incestuosa entre governos e grandes corporaçoes falemos sobre a notícia do jorna Valor Econõmico do dia 25.08., que trata do empréstimo do BNDES à Construtora Camargo Corrêa no valor de US$ 2,2 bi, destinado a construção de estações de tratamento de água, esgoto e projetos de irrigação. Beneficiará uma população de 5 milhões de pessoas. Da Venezuela. Companheiro Chávez ficou feliz, certamente. Já é de costume. A Empreiteira Odebrecht, já tem obras na Venezuela no total de US$ 6 bi. São os recursos brasileiros promovendo o desenvolvimento econômico e social. Da Venezuela. Dava até para fazer uma bela reforma agrária. Com letras maiúsculas. Não estou falando de assentamentos Jeca Tatú. Estou falando de Reforma Decente, criativa, plural, solidária, com visão planetária. Não tenho idéia das comissões que podem gerar esses contratos...

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  2. A esse respeito ver o filme: "Cidadão Boilesen" de 2009. Muito bom. Mostra a participação direta de um empresário nas ações da OBAN.

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  3. Muito bom o texto. É importante que essa operação seja divulgada como parte da campanha pelo fim da Lei da Anistia, que impede hoje que estes colaboradores da Ditadura Militar sejam julgados e condenados.
    http://ricardofesti.blogspot.com

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  4. As empresa que financiaram a Operação Bandeirantes (OBAN) deveriam ficar impedidas de licitar e contratar com a Administração Pública, por inadimplência com o povo brasileiro.

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