A vitória na eleição presidencial colombiana de Juan Manuel Santos, ex-ministro da defesa do governo Uribe, confirma o já esperado: a continuação, por mais quatro anos, das políticas do atual regime. Embora Santos tenha sido eleito com a esmagadora maioria dos votos, 70%, contra 27% do segundo colocado, o candidato pelo Partido Verde, Antanas Mockus, duas vezes prefeito de Bogotá, esses números são apenas parte da história. O outro lado é que 60% dos colombianos não foram às urnas e aproximadamente quinhentos mil votaram em branco. Ocorreram também relatos de que populações pobres de deslocados internos foram induzidas a votar para Santos sob ameaça de perderem os poucos auxílios sociais concedidos pelo governo Uribe.
O que mostra a descrença de parte significativa da população em relação à situação política atual do país. Apesar de pesquisas de voto, antes do primeiro turno, terem apontado para um quase empate técnico entre Santos e Mockus, os resultados já do primeiro turno revelaram a falsidade de tais pesquisas. Gustavo Petro (PDA), candidato pelo Polo Democrático Alternativo, que ocupa 7,62% das cadeiras no Congresso colombiano, afirmou, após à vitória de Santos, que o establishment de Bogotá manipulou as pesquisas de opinião, apresentando o candidato do Partido Verde como próximo de Santos na pesquisa, de maneira a fazer com que aparentasse haver legitimidade em uma eleição que muitos cidadãos colombianos já davam como desde o começo definida, como as abstenções e votos nulos sugerem.
Santos, quando ministro da defesa, esteve à frente da principal agenda dos oito anos do governo Uribe: a postura de solução unicamente militar, sob forte apoio financeiro dos Estados Unidos, para os conflitos da região. O futuro presidente, cuja família, junto com grupos espanhóis, controla parte da mídia corporativa do país, foi eleito à sombra de Uribe. Na verdade, Uribe só não foi candidato novamente, porque a Suprema Corte colombiana vetou uma proposta do governo de criação de uma emenda na Constituição que autorizasse que Uribe concorresse pela terceira vez. Como no Brasil, a constituição colombiana apenas permite dois mandatos consecutivos.
O orgulho de Santos ao ver seu país ser descrito como Israel da América Latina, descrição sem o mínimo de fundamento na realidade, evidencia as suas crenças em relação ao papel regional e internacional da Colômbia como principal aliado dos Estados Unidos na América do Sul, a sua disposição de continuar comprometido com os EUA e levar a cabo a postura intransigente do governo Uribe na região, como quando realizou incursões militares em solo equatoriano, e mais recentemente o acordo com Washington, sem consultar os países vizinhos, que autoriza que os EUA use 7 bases militares na Colômbia.
Uribe deixa para o seu fiel sucessor um país com o maior índice de homicídios do mundo, maiores índices de violação de direitos humanos no continente, 7 milhões de pessoas vivendo em extrema pobreza, o segundo maior número de deslocados internos (mais de 4 milhões de seres humanos, metade dos quais apenas no governo Uribe, expulsos de suas terras por causa de lutas econômicas e políticas pelo controle de regiões, fato agravado ainda mais pelas fumigações, que, sob o pretexto do governo de combater as plantações de coca, envenenaram terras de vários camponeses, inviabilizando o seu cultivo), atrás apenas do Sudão, 13% de desemprego, 58% da força de trabalho no mercado informal, 5.000 civis assassinados nos últimos anos, grande parte por forças militares do governo, para aumentar os números do governo no desempenho da suposta guerra contra o narcotráfico e o terrorismo, etc.
A atual situação colombiana, com a duplicação do número de milhares de indígenas, afro-descendentes e campesinos expulsos de suas terras, 40 sindicalistas assassinados somente no ano passado, e neste ano já 31, está intimamente ligada ao Plano Colômbia, acordo de ajuda militar dos EUA à Colômbia como parte da "guerra" contra as drogas. Embora desde a década de 1990 a Colômbia tem sido o maior recipiente de ajuda e treinamento militar dos Estados Unidos, com o Plano Colômbia a ajuda em dinheiro aumentou consideravelmente. Como início do plano, a Colômbia recebeu, em 2000, 3.5 bilhões de dólares para usar no “combate” às drogas. Desde então, a cada ano, o país recebe de Washington uma quantia crescente por ano em ajuda militar. Mais detalhadamente, em 2002 foram 371.74 milhões, em 2003 605.1 milhões, em 2005 574,15 milhões, etc.
Vendido como um plano de combate ao narcotráfico, e após 11 de setembro, como também combate ao terrorismo, o Plano Colômbia é um componente de um objetivo maior de ampliar a presença militar estadunidense na região andina, de modo a garantir a proteção de recursos naturais de interesse dos Estados Unidos. As drogas e o terrorismo não são senão um meio de justificar a presença militar estadunidense na região. Ora, a Colômbia é o maior exportador de cocaína do mundo, e o Afeganistão o maior de heroína, e ambos estão sob presença militar há um bom tempo dos Estados Unidos, maior consumidor de drogas ilícitas do mundo. E nem por isso esses países deixaram de ser os maiores exportadores dessas drogas.
Somente em 2004 o número de colombianos deslocados pela violência foi de 280.000 pessoas. A retirada de camponeses das suas terras, que já não são muitas - pois na Colômbia 53% das terras estão em posse de 1.8 da população - tem por finalidade outras que não contra-atacar o narcotráfico. A fumigação de terras em zonas rurais, sobretudo no sul da Colômbia - região historicamente negligenciada e esquecida pelo poder central - feita por empresas de defesa privadas contratadas pelo Pentágono, tem destruído dezenas de hectares de plantações de alimentos, contaminando o solo, a água e o ar na região. As fumigações destroem a diversidade natural, tornando inviável a agricultura na região, expulsando assim os camponeses e preparando o terreno para expropriação dos recursos naturais por parte das transnacionais estadunidenses.
A privatização das operações militares na Colômbia, que vai desde serviços de inteligência e logística, aviões que fumigam com veneno as áreas rurais, até equipes de resgate, também faz parte de uma prática do governo estadunidense em todas as regiões em que está presente militarmente, principalmente Iraque e Afeganistão. A conseqüência disso é que não há um controle do congresso dos EUA sobre as atividades dessas empresas e a transparência das suas ações é quase zero, pois podem esconder informações sob o pretexto de preservar preocupações de ordem privada, etc. Com isso, a pressão da sociedade civil em relação às atrocidades cometidas que vazam para a opinião pública é diminuída, pois sempre se pode culpar a empresa contratada pelos erros, e não as forças armadas. A Dycorp Company, Northrop Grumman, Eagle Aviation, são apenas algumas das empresas atuando atualmente na Colômbia.
Os grupos paramilitares, com os quais já há uma longa história de colaboração por parte das forças de segurança governamentais (inclusive já vistos por muitos colombianos como o braço ilegal armado do Estado), assim como os grupos guerrilheiros, têm sido, em certa medida, um obstáculo à implementação dos acordos de livre comércio entre USA e Colômbia. Muitas empresas estadunidenses têm que pagar dinheiro a grupos militares ilegais para receber proteção.
A presença militar, sob o pretexto da guerra contra o terror e o narcotráfico, é um meio de assegurar o aprofundamento do projeto de livre mercado na região, que consiste na expropriação transnacional dos recursos naturais e a redução dos colombianos a meros consumidores de produtos estadunidenses subsidiados. Que é o mesmo que tem ocorrido com todos os países na América Latina que implementaram políticas econômicas de livre comércio com os Estados Unidos. Basta ver o México, que após o NAFTA, de grande produtor de milho, principal produto da dieta da população, sobretudo a do campo, virou importador de milho subsidiado estadunidense, acabando com o mercado interno de milho e lançando vários camponeses na miséria e na fome. O mesmo com o Haiti, que, durante a administração Clinton, passou a importar todo seu arroz dos Estados Unidos, causando a falência de vários agricultores haitianos cujo sustento vinha da plantação de arroz. Assim, em geral o que ocorre é que grande parte dessa população camponesa empobrecida migra para os grandes centros aumentando a população favelizada desses países.
A circulação descontrolada de capital nesses países, que é o feito, claro, da implementação de políticas econômicas neoliberais - políticas que têm, de algum modo, a sua contraparte militar, na Colômbia sendo mais forte e sistemática do que em outros países da região -, tem acelerado a expropriação de recursos naturais, o que aumenta a ambição pelas terras dos indígenas, afro-descendentes e camponeses em geral.
Uma outra questão, talvez a pior, que tem se intensificado desde o começo da implementação do neoliberalismo na Colômbia, é a perseguição e o assassinato de integrantes de movimentos sociais que tentam abrir espaço para uma oposição não violenta. Os sindicatos, que são uma das bases da organização social com mais poder de pressionar o estado e reivindicar direitos sociais, têm sido atacados por todos os lados, não somente pelo governo. Os paramilitares acusam vários líderes sindicais de ligação com as FARC, e, em contrapartida, as FARC os acusam de estarem com o governo por não apoiarem a luta armada.
A perseguição sistemática que, desde 1986, ano da criação da Central Única dos Trabalhadores Colombianos, resultou no assassinato de mais de 4.000 sindicalistas, levou não somente ao enfraquecimento, evidentemente, das organizações sindicais na Colômbia, mas também de qualquer movimento social organizado. O assassinato de pessoas que tentam agir democraticamente dentro dos espaços da democracia liberal alastra o medo, e afasta a população da arena política, sem a qual não existe exercício da democracia. Não há democracia quando é permitido que se fale, mas dependendo do que se fala você é assassinado ao virar as costas.
O acordo, sem consultar os países da região, para a transformação de bases militares colombianas em bases militares estadunidenses, é a expressão de mais um aprofundamento e expansão do Plano Colômbia para toda a região andina. Os oito anos de governo Uribe, certamente o governo mais clientelista pelo menos na história contemporânea da Colômbia, não somente foi extremamente prejudicial para a população colombiana, como também para segurança na região. Seria muita inocência acreditar que a propaganda de combate ao narcotráfico é verdadeira, quando ela parte de um governo cujo próprio presidente, hoje apresentado pelo governo estadunidense como parceiro chave na guerra contra as drogas, foi acusado de ter tido ligações com o narcotráfico. E o que é mais agravante: essa acusação foi feita em um documento secreto de 1991, da Agencia de Defesa dos Estados Unidos. O documento foi tornado público somente em 2004, pela The National Security Archive (Arquivo de Segurança Nacional), um instituto de pesquisa não governamental, localizado na Universidade George Washington, que coleta e torna de domínio público documentos liberados em decorrência do Ato de Liberdade de Informação. Nele Uribe é acusado de ligação com o cartel de Medellín.
Está claro que o Plano Colômbia tem se mostrado uma estratégia de guerra sob auspício dos Estados Unidos, e como tal, não respeita acordos sob as cúpulas das Nações Unidas e da Organização dos Estados Americanos. As bases colocarão em risco a soberania dos estados vizinhos, num momento em que muitos países da América Latina buscam o estabelecimento de uma maior unidade comercial e cultural na região, menos dependência e mais diversificação nas parcerias econômicas.
Os quatro próximos anos de continuação das mesmas políticas serão catastróficos tanto para a situação doméstica da Colômbia quanto para a região. Apesar de um futuro próximo escuro para a Colômbia, ainda há, no país, muitas comunidades em resistência, movimentos sociais e organizações dispostas a buscar uma saída política para os problemas do país. Mas fica a pergunta: em face da violência que esses movimentos têm sofrido por parte do Estado, dos grupos paramilitares e guerrilheiros, será possível que eles cresçam ao ponto de congregarem forças para uma nova saída política para a Colômbia? Só a sociedade colombiana será capaz de nos dizer isso, mas, ao menos para os quatro próximos anos, não poderemos deixar de ser pessimistas sobre os prováveis desdobramentos da continuação das políticas arquitetadas pela administração Uribe.
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Algumas Fontes:
1. Documento de 1991 da Agência de Defesa dos Estados Unidos, no qual Uribe é acusado de relação com o narcotráfico:
http://www.gwu.edu/~nsarchiv/NSAEBB/NSAEBB131/index.htm ;
2. Documento de 1997 da Agência de Defesa dos Estados Unidos, no qual são apresentadas evidências de relações de aliança do exército colombiano com grupos paramilitares:
http://www.gwu.edu/~nsarchiv/NSAEBB/NSAEBB166/index.htm#docs ;
3. Colombia IDPs 'face vote abuse':
http://english.aljazeera.net/focus/2010/05/20105251832686557.html ;
4. Ex-defense chief wins Colombia Vote:
http://english.aljazeera.net/news/americas/2010/06/2010620213922101559.html ;
5. Documentário sobre o Plano Colômbia: Empire in the Andes
http://freedocumentaries.org/teatro.php?filmID=310&lan=en&size=big .